sábado, 5 de janeiro de 2019

A dor é para ser doída




"O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso". Mario Quintana

Os livros de poesias de Quintana foram meus companheiros e amigos influencers na solidão do dia após dia da minha juventude. E esta epígrafe continua sendo o slogan da minha vida.

Já escrevi em outros posts sobre minha corrida contra o tempo, e em como em cinco anos, de certa forma, alcancei uns vinte anos perdidos em relação a outras pessoas da minha geração. Também disse da depressão que tive quando aparentemente a corrida estabilizou e eu fiquei na ilusão de que a partir de então as diferenças estavam equalizadas e as conquistas futuras dependeriam apenas da meritocracia. Grande engano! Não o da meritocracia, que não cabe a mim julgar a retidão dos julgamentos dos outros. Deus o fará! Mas estive muito enganada quando pensei que as diferenças estavam balanceadas. 


Augusto Cury em sua teoria da Inteligência Multifocal incluiu um elemento que explica bem o que ocorre na mente de pessoas inteligentes que têm um enorme talento para estragar tudo de relativamente significativo em suas vidas: as janelas killer da memória. As memórias traumáticas que sob certo estímulo de tensão disparam repetidamente a lembrança de todos os erros cometidos no passado e não satisfeitas bloqueiam o funcionando de todas as memórias boas (janelas saudáveis). Quando percebemos Inês já é morta e sepultada junto com nossos melhores sonhos e planos.

Mas quem se importa? Ninguém tem nada a ver com isso, disse Quintana. Ai de você se reclamar e se fizer de vítima! A responsabilidade de corrigir, criar janelas paralelas saudáveis, parafraseando Cury, se organizar, atingir a perfeição (exageros à parte) é só seu. Entender porque as dores não podem mais doer (nem Merthiolate arde!), porque o luto não existe mais, exceto nas fotos de perfil das redes sociais, porque não podemos mais demonstrar fraquezas e nem a mulher não pode mais ser naturalmente frágil! Entender isso é problema só seu!

E a grande ilusão se mostra principalmente quando eu percebo que se eu tivesse treinado apenas a oratória e o controle emocional genuino ou fingido eu estaria muito melhor aos olhos da sociedade a despeito de todos os meus talentos e habilidades atuais. É uma lição que ninguém ensina. E quem é bom na malandragem não aprendeu com ninguém, não foi com uma teoria de fora para dentro longe do seu contexto mais íntimo ou contrariando suas crenças e valores. Geralmente essa pessoa aprendeu com as suas VI-VÊN-CIAS!

Sabe aqueles vinte anos que eu tinha recuperado? Grande farsa! O que consegui foram diplomas, conhecimento técnico, um empreguinho para faturar uns no fim do mês como toda pessoa normal e capitalista e muita, muita dor de cabeça. A eterna peça do quebra-cabeça que não se encaixa em lugar nenhum, que não entende por que a geração que aí está pede tanto por liberdade de expressão desde que esta expressão esteja de acordo com o que ela pensa ou desde que esteja polida e lustrada da forma mais artificial e fingida para não melindrar o consciente coletivo que precisa sempre ser protegido para não sofrer com a verdade. A geração indiretamente treinada para saber dizer o que os outros querem ouvir - sabe Deus como, pois eu não estava lá para ver. A geração que contorna brilhantemente qualquer deficiência com o charme de uma conversa.

Às favas com a lógica! "Penso, logo existo", disse Descartes o filósofo da razão cartesiana. Devo dizer meu caro Rene, que primeiro é possível convencer para depois vir a existir ou não. A vida é uma grande vitrine onde se destaca quem aprendeu a dinâmica de dizer livremente grandes coisas que toca fundo no íntimo de quem ouve sem que ninguém desconfie o quão raso ou fundo está dentro de que diz.

Lembro ainda do célebre dilema ético de Hamlet: "Ser ou não ser? Eis a questão!" Como enxertar numa natureza não vivida a destreza e malandragem dos outros seres viventes? Até que ponto vale a pena e é bom? O Senhor Jesus Cristo disse que nós Cristãos não somos do mundo, como Ele não é (João 17:14). E o apóstolo Paulo disse para não sermos conformados com este mundo (Rom 12:2). Só resta continuar deixando Deus guiar, curar as cicatrizes das quedas pelo caminho, e deixar doer..