segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Chocolate




Um filme dirigido pelo sueco Lasse Hallström, e interpretado por grandes estrelas de Hollywood, Chocolate é um roteiro simples que por isto mesmo tem o fascínio das grandes obras. Simples, porém, não quer dizer ruim, ou de má qualidade, ao contrário, a história de Vianne Rocher (Juliette Binoche) deixa-nos a desejar... mais chocolate, mais amor, melhores amizades, melhores caminhos!



Narrada pela própria protagonista, o enredo se passa numa cidade fictícia chamada Lasquenet, uma cidade de hábitos tradicionais católicos, subordinados a autoridade do Conde Reynaud (Alfred Molina), homem austero que subintende-se que foi abandonado pela esposa, a qual ele repete sempre que estava em viagem à Veneza. Mas um homem da personalidade de Reynaud não deixaria a esposa viajar sozinha, uma vez que ele controlava os passos até dos moradores de Lasquenet.


Pois foi nos domínios do Conde Reynaud que a andarilha Vianne veio instalar sua Chocolateria Maya, em plena quaresma, tempo dos cristão católicos jejuarem para comungar na páscoa. É interessante como nenhum dos elementos deste filme foi criado em vão, o nome Maya por exemplo, é uma palavra utilizada pelos povos da antiguidade, em especial os hindus, designando “a partir de mim”, ou seja, tudo no Universo estava em perfeita conjunção a partir de uma específica deidade. A partir daí, a palavra moha que quer dizer “ilusão” em sânscrito foi incluída no sentido da primeira, dizendo que as divisões de povos, de raças, fronteiras, foram criadas fora de Maya, portanto, longe da divindade.



De fato, no filme Lasquenet corria aparentemente bem, seguindo sua rotina sem maiores problemas até a vinda de Vianne Rocher, com sua filha Annouk Rocher (Victoire Thivisol), como ela mesma narra, todos sabiam seu lugar na ordem das coisas. Porém, os primeiros a frequentar sua Chocolateria, também foram os primeiros a se dar conta de que aquela ordem dos fatores não precisava ser tão linear ou rígida, ou mesmo se descobriram atuando como coadjuvantes de suas próprias histórias, separados do todo, que segundo a regra de maya, por natureza pertence a todos.

Mãe solteira, com hábito de forasteira, sem habitat fixo e por isso mesmo profunda conhecedora das mais diferentes culturas, Vianne carregava consigo a filha e as cinzas da mãe, além da mágica habilidade de adivinhar as preferências das pessoas, o que sempre correspondia a uma receita de chocolate especial para cada cliente. E assim os moradores pacatos da cidade passaram aos poucos a se revelar e sucumbir ao doce pecado, afinal todos possuíam o hábito de guardar a quaresma, que na concepção do nome, quer dizer quarenta dias em jejum.



Existiam pessoas das mais variadas personalidades – como não poderia deixar de ser – mas elas se escondiam. Armande Voizin (Judi Dench), uma senhora de duros modos, mas de grande firmeza de caráter, foi uma das que em princípio acolheu Vianne, e quem por ela foi acolhida, mesmo indo contra o conservadorismo de sua filha Caroline Clairmont (Carrie-Anne Moss), Ms. Voizin era consumidora assídua de chocolate quente com pimenta, que segundo Vianne levantava o ânimo.




Pupila fiel do Conde Reynaud, Caroline não falava com a mãe há anos, pois a considerava uma senhora sem princípios. Proibia inclusive seu filho Luc Clairmont (Aurelien Parent Koenig) de ter contato com a avó, o que ele frequentemente desrespeitava. Luc era um garoto triste, com uma criatividade fúnebre desenhava pombos mortos, era vítima do protecionismo da mãe, e sangrava pelo nariz. Há quem diga que hemorragia nasal é um sintoma típico de quem não respira bem a vida.


Seus métodos irreverentes atraíram o casal de terceira idade, Guillaume Blerot (John Wood) e Madame Audel (Leslie Caron), a quem Vianne ofereceu o bombons afrodisíacos, tão bem recomendados que o casal retornou para buscar mais algumas gramas do produto! Josephine Muscat (Lena Olin) era outra fêmea subjugada pelo marido Serge Muscat (Peter Stormare), o mesmo que afirmou que só se casou por ser o único que se compadeceu dela. Mas o chocolate revelou traços de Josephine que Serge não conhecia, pois ela que antes se sentia fraca, fugiu de casa e foi morar com Vianne em troca ofereceu-lhe seus préstimos na Chocolateria. Revoltado Serge tentou invadir o estabelecimento a noite, mas sucumbiu a um golpe de frigideira dado por Josephine, “quem disse que ela não sabia usar uma frigideira?”


Padre Henri (Hugh O’Connor) é outra figura marcante, jovem, cantava e dançava músicas seculares (de Elvis Presley) para o horror de Mr. Reynaud. Mas também é quem dá a palavra final no arremate desta história.



Após bem ilustrado o contexto da história a ser narrada, entram os piratas, também chamados Ratos de Rio, onde Roux (Johnny Depp) vem agregar de forma mais específica o romance ou a paixão carnal à trama.



Roux e Vianne, são figuras excêntricas que se atraem, o que impede Vianne de adivinhar-lhe a preferência, um pouco pelo charme de Roux em negar propositalmente ter gostado do chocolate oferecido, ou pelo fator psicológico que justificaria o fato de Vianne errar a receita, pois qualquer escolha que ela fizesse a respeito do chocolate estaria falando sobre si mesma, ou seja, o chocolate preferido dele deveria ter as caracteristicas dela.


A chegada dos piratas a cidade revoltou o conde, que promoveu um boicote a imoralidade. Principalmente porque em conjunto com Vianne eles organizaram uma festa da fertilidade, regadas a chocolate e música. Enquanto a festa acontecia Roux e Vianne se rendiam a paixão carnal, que somado ao chocolate formava o conceito de pecado no roteiro do filme. Uma mãe solteira, que abriu uma loja de produtos alimentícios na quaresma, seduziu a cidade a romper tradições e que mantinha relações sexuais com um forasteiro. Em resumo esta era a suposta imoralidade a que o conde pretendia boicotar.


E de fato após a festa, no silêncio da noite, Serge foi encarregado de incendiar o barco dos piratas, como um sinal para que tanto eles como a dona da chocolateria soubessem que não eram bem-vindos. Após o impacto, e o susto ao acreditar que Annouk (lê-se Anöcha) poderia estar no barco incendiado, Vianne e Rox sentem a exata mensagem do conde. Eles pensam em abandonar a cidade, o que é contrariado pela pequena Annouk que não queria mais a vida de andarilha, principalmente pela amizade que fizera com Luc, o neto de Armande Voizin.

Deste trecho o enredo segue rumo ao final, com a partida dos piratas de Lasquenet, o despejo de Serge pelo conde ao negar-se assumir sozinho a culpa pelo incêndio, e a morte de Ms. Voizin que não avizara que era diabética, e morreu após sorver muitas xícaras de chocolate quente com pimenta! O que fez Vianne sentir-se culpada.]


Caroline após a morte da mãe também se revolta contra as imposiç
ões morais – falsamente religiosas – de Reynaud, que afirmava que não havia redenção para Ms. Voizin, pois sua morte foi considerada suicídio, uma vez que ela sabia que o açucar lhe causaria mal, e ainda assim se rendeu à doçura do pecado em pleno período de jejum da igreja. Ao renegar esta crença, Caroline rompeu relações com o conde, desestabilizando-o, o que fez com que sua máscara de guardião da moral caísse.



Sua paixão por Caroline é revelada aos espectadores, ainda que casado dentro das normas da igreja, e portanto, uma união indissólúvel, embora sua esposa já o tivesse abandonado. Desesperado e contrito, o Conde invade a Chocolateria na ausência de Vianne e como um simples mortal, se rende as delícias que aquelas prateleiras ostentavam, e meio que se punindo ou se libertando, Reynaud goza do prazer que o chocolate lhe proporciona, ainda guardando sua expressão de sofrimento pelo pecado que comete, afinal rompera o jejum antes da páscoa.

Os piratas voltam à cidade, Vianne decide ficar e continuar com sua Chocolateria, e joga as cinzas de sua mãe ao vento, pra que esta siga seu curso de andarilha (tradição herdada da mãe e do pai que foi quem lhe passou os conhecimentos sobre as propriedades do chocolate), pois ela e sua filha agora pretendiam criar raízes. Até Reynaud convidou Caroline para jantar.



Após a “queda” do conde o padre dá sua palavra final num sermão, enfocando a humanidade de Cristo, acima das regras, que muitas vezes terminam por afastar as pessoas, criam fronteiras onde não deveria existir, e sustentam hipocrisias que poucos ousam confessar. Coisas que o chocolate revelou. Uma doce forma de humanizar as pessoas é deixando-as errar para poder acolhe-las depois e dizer: “Vá e não peques mais”.

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