quarta-feira, 1 de julho de 2020

Não se apega



Existe algo mais profano que ouvir alguém dizer “não se apega”, quando um vestígio de afeição aponta lá longe no horizonte? Como se relaciona sem se apegar, sem trazer para si a pessoa alvo do seu sentimento, seja ela uma nova paixão, um grande amor ou uma amizade?

Às vezes notamos muito fácil os paradigmas do nosso próximo, às vezes apenas supomos com base em nossos próprios. E com base em suposição oferecemos um antídoto falho. Não se apega, talvez seja uma tentativa de dizer para não se tornar dependente emocionalmente, não se deixar abusar. Mas não é isso que apego significa. O problema é o excesso, quando a afeição subverte a pessoa amada.

É uma imagem feia, se entregar sem se apegar; viver sem se apegar. É frívola, vazia, estúpida. Apegar ainda é uma palavra mais poética que cativar; cativo é prisioneiro, “é querer estar preso por vontade; é servir a quem vence, o vencedor”, nas palavras de Camões. Sou como a Clarice Lispector “terei sempre apego pelo que vale a pena e desapego pelo que não quer valer”, quem não se apega não quer valer.

Talvez pelo mau uso a palavra tenha perdido seu sentido, e eu que não acompanhei a sua involução linguística. O que mais se vê são palavras esvaziadas do seu sentido, da sua raiz. E igualmente vemos pessoas fazendo de si mesmas como fazem com as palavras, esvaziando-se de seus sentimentos profundos e permanecendo no raso. No mínimo confortável, sem intensidade, pois é mais fácil de fugir depois.

Pode ser que isso seja bom para alguém. Quem gosta disso, saudações! Não me vejo nesse personagem enquanto tiver um coração cheio de amor. Apegar-se é afeiçoar-se, é trazer consigo, ter em si alguém a quem se quer bem. Eu me apego! Se for preciso, lá na frente eu desapego, se não fizer mais sentido, se não quiserem mais o meu afeto, se for uma ilusão, se não valer a pena. Vai doer, mas tudo bem! O importante é não deixar de amar, de se doar. Como dizia o poeta: “Porque a vida só se dá pra quem se deu, pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu”.

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