Se a nossa energia custa o sofrimento
alheio então somos os mais infelizes dos seres.
Monstros S.A conta a
história de um mundo de monstros em uma cidade chamada Monstrópolis. Nesta
cidade alguns de seus habitantes trabalham na empresa Mostros S.A cujo ramo de
atividade é produzir energia para trazer conforto a população de seu mundo. O
recurso utilizado para gerar energia é o choro das crianças do planeta Terra,
quanto maior o volume do choro, maior a geração de energia.
Assim a Monstros S.A é uma
especialista em treinar monstros para assustar crianças humanas, e tirar
proveito de seus medos. Duas personagens protagonistas desenrolam a trama, Mike
Wazowski e James P. Sullivan, dois monstrinhos simpáticos, sendo Mike verde, pequeno e
com apenas um olho, e Sulley azul, grandão e desengonçado. Uma dupla perfeita
que detém os recordes em gerar energia da empresa.
Num filme que foi lançado
posteriormente (Monstros S.A universitários) é falado de todo o processo de
formação dos monstros, e aqui eles apenas reproduzem o que aprenderam, que crianças humanas eram transmissoras de doenças e que só serviam para gerar
energia. Até que entra outra personagem na história: Boo.
Boo é uma garotinha
atípica. Os monstros entravam pelas portas dos armários das crianças, que era
um portal entre os dois mundos. A reação imediata era ela se assustar e chorar.
Boo, entretanto não se assustou com o imenso monstro azul que um dia entrou
pela porta de seu armário, e com os olhos brilhantes a garotinha olha para
Sulley e diz: gatinho! Desesperado Sullivan foge da menina correndo de volta para
o armário. Novos encontros aconteceram e nada de chorar!
A menina esperta, por um
aparente descuido deles, consegue adentrar no mundo dos monstros, Sulley no
depósito em sua empresa, quando vai abrir uma porta fora do lugar encontra a
menina que atravessara o portal: boo! É o que ela fala. Seu nome não é mencionado,
Sullivan e Mike a chamam assim porque ela apenas repetia o jargão que o monstro
azul usou para tentar amedrontá-la.
Genuína e inocentemente a
menina começa a tentar brincar com o monstro, e os papéis se invertem Sulley que
se assusta com a menina, afinal, segundo o que ele acreditava, ela transmitia doenças,
e nunca concebeu a ideia de se relacionar com uma criança. Boo ainda não tinha
nenhum preconceito, e chegava a confundir um monstro enorme com um gatinho.
Essa garotinha é de uma
ternura familiar, fora do comum. Por que as crianças tem medo do escuro, choram
quando se assustam, e por que se assustam com determinadas coisas? Por que nós
humanos repetimos tantos comportamentos sem questionar? A princípio Boo
aparenta ser uma criança solitária, onde as visitas de Sulley eram sua única
diversão. Seja como for, a lição do filme vai para os monstros. Às vezes a
pessoa mais frágil não é o alvo de acontecimentos específicos, como o monstro
podia supor.
Boo acaba conquistando o
bichão que se enternece, e percebe que suas gargalhadas geravam mais energia
que o choro das demais crianças. Só que enquanto isso, Sulley e Mike tentam a
todo custo levar a menina de volta ao seu mundo sem que ninguém perceba. Isso
exigia a reconstrução da porta de seu armário que fora quebrada, e muitos
artifícios para esconder a menina dos demais, a famosa preocupação com a
opinião alheia, das massas que não se questiona, e agem como tem que ser.
Quem disse que tem que ser
assim? Boo foi o veículo para ajudar Sullivan a reconstruir seus paradigmas,
afinal, ele descobrira algo sobre as crianças que todos ignoravam, e percebeu
que nem sempre infringir sofrimento aos outros é a melhor forma de ganhar algo.
Quantas vezes fazemos pessoas sofrerem porque faz parte do negócio, é a regra
do jogo, é comum, natural? Quantas vezes perdemos oportunidades de olhar as situações
sob outra perspectiva. Ainda que tenhamos sido causadores de um sofrimento, por
que não voltar atrás, abraçar, deixar de ser monstro para ser amigo?
Acho este filme bastante
pedagógico. Mike Wazowski e Sullivan por serem líderes em sua empresa, e
responsáveis pelos melhores resultados, tinham tudo para se ensoberbecerem e “pensar
na caixa”, limitarem-se a rotina, e manterem-se em sua zona de conforto. Mas os
monstros tem coração, os humanos às vezes não. Apesar de toda sua racionalidade
e presciência dos padrões organizacionais, Sulley, no que a princípio seria um
erro grave, extremamente condenado por seu amigo Mike, deixou-se cativar pela
garotinha, e se envolveu com a sua realidade.
Esta foi a ocasião onde sua
capacidade empreendedora achou uma forma de conciliar seu afeto pela menina e
sua necessidade de gerar energia, e descobriu a energia vital da risada das
crianças! A Monstros S.A depois desta experiência passou a ser uma empresa de
diversão e não de sustos, e curiosamente, as mesmas crianças diante dos mesmos
monstros passaram a gargalhar com suas brincadeiras. Reciclaram-se também.
A única cena em que Boo
chorou, foi quando enfim Sulley reconstrói a porta de seu armário e a devolve
para seu próprio mundo. A menina chora e diz: gatinho? Voltar para sua
realidade não era muito apreciável para a menina. Não o é para mim. Aqui os
monstros são sempre monstros.