sábado, 15 de setembro de 2018

O Poder do Hábito



O ano era 2013, e a jovem C estava saindo do trabalho em uma cidade no interior para ir para a faculdade no centro de São Paulo. Era final do segundo semestre, e o percurso já era rotina. C sofria de Epilepsia havia 17 anos, sem crises convulsivas, mas algumas impertinentes crises de ausências que levava a consciência embora a despeito do estado de vigília do corpo. E foi nesta tarde que aconteceu de novo.

C se recordava apenas de ter se achado no corredor da universidade em frente a sua sala. Mas na verdade ela foi de fretado até o centro da cidade onde morava, caminhou até a estação de trem cerca de 5 ou 6 minutos, atravessou a catraca e pegou o trem, desceu 13 estações depois, atravessou a rua, entrou no prédio da sua universidade e subiu as escadas rolantes até o 8º andar.

A jovem C sou eu. Esta rotina de chegar sã e salva em lugares que eu não fazia a menor ideia de como aconteceu o percurso era comum desde a adolescência quando eu me encontrava dentro de casa depois de terminada a aula na escola. Geralmente, no dia seguinte eu descobria que alguém tinha me acompanhado, mas nem sempre. Era razoavelmente fácil fazer inconscientemente o percurso que era realizado todo dia há alguns anos letivos. Suspeito que só precisei de ajuda quando algum movimento inesperado distraiu o meu cérebro e atrapalhou a execução da rotina.

Sempre soube por minha própria experiência que o cérebro é um órgão espetacular, mas nunca soube exatamente qual era o fenômeno que promovia aquilo até ler o livro O Poder do Hábito do autor Charles Duhigg. Logo no primeiro capítulo “O Loop do Hábito”, Charles conta a história de Eugene Pauly, um paciente idoso que teve tecidos do cérebro destruídos por uma encefalite viral fazendo-o perder a memória das suas três últimas décadas de vida e sem condições de reter informações novas. O capítulo fala, entre outras coisas, da capacidade de Eugene de executar ações que foram incluídas propositalmente em sua rotina, até formarem um hábito inconsciente no seu cérebro, o fenômeno “Deixa – Rotina – Recompensa” que não exigia memória pois o cérebro convertia uma sequência de ações numa rotina automática. 




No episódio da faculdade a deixa era: sair do trabalho; rotina: percurso de uma hora e meia (talvez) até a recompensa: chegar sozinha na faculdade. Chegar sozinha em qualquer lugar era a melhor das recompensas da minha vida dos últimos 3 anos até 2013. Exatamente pelo risco de caminhar “desligada” por aí - enquanto puderam - evitaram ao máximo me deixar sair de casa. E foi nesse período que eu rompi com todas as barreiras, voltei a estudar e comecei a trabalhar. E eu venci cada situação destas graças a Deus que nos dotou com um cérebro maravilhoso, entre outras proteções divinas.

O cérebro reproduz sem esforço consciente todas as rotinas repetitivas que executamos ao longo da vida. Mesmo aquelas das quais não nos lembramos, ou nem temos consciência que existem. Aqui está o grande perigo desse fenômeno, quais hábitos inconscientes nos governam, mesmo em estado de saúde sem nenhum prejuízo especial como Epilepsia (que já não tenho mais) ou Encefalite? Quantos de nós já parou para pensar no por que fazemos o que fazemos? Quantos de nós já ficamos completamente sem saber o que fazer, ou profundamente irritados quando alguma ocorrência inesperada atrapalhou uma atividade do dia a dia? Vale a leitura do livro que explica uma série de outras circunstâncias que nem desconfiamos que são reações à hábitos, como por exemplo a escolha de um produto na prateleira do supermercado. Recomendo o livro para quem quer entender melhor como a banda toca, e aprender a afinar melhor o instrumento.



domingo, 8 de abril de 2018

Escolhas



Certa vez, estava com um amigo meu num lugar e pedimos um suco para cada um, de sabores diferentes. Ao provar, percebi que o meu suco não estava a meu gosto, quando meu amigo subitamente trocou os copos e me cedeu o dele que tinha provado e estava mais gostoso. Minha reação foi de recusa. Peguei o meu suco de volta e disse: "Tenho que assumir as consequências das minhas escolhas". Esse meu amigo agiu assim outra vez, em outro lugar, trocando os sucos.

Num primeiro momento podemos parecer gentis ao estimular alguém a substituir por algo melhor o que não está bom, quando nos sacrificamos e assumimos o ruim. Adultos e crianças, ninguém mais quer sofrer as consequências de nada; ninguém quer consertar o que quebra, apenas jogam fora e compram outro novo. Crianças não podem reclamar da comida que os pais vão lá e colocam no prato o que elas querem, muitas vezes sem condições de variar o menu tanto quanto varia as "vontades" dos filhos. No fundo a mensagem que passamos é que tudo é substituível desde que o que está diante de nós não nos agrade.

Acontece que para mim, no caso do suco, embora eu não tenha refletido muito na hora, melhor que um suco mais saboroso, era mostrar que, assim como meu amigo não se importava em ficar com o suco ruim em meu lugar, eu também não me importava em levar minha escolha adiante mesmo quando a coisa não estava boa. Lembro de ter dito a ele que não fizesse o mesmo quando tivesse filhos, pois estaria criando monstros que não saberiam viver num mundo que não trocaria a vida deles por uma melhor quando quisessem.

Muitas pessoas tratam as relações como copos de sucos que não estão a contento: trocam ou simplesmente jogam fora quando não há outro melhor por perto. Se esquecem que pessoas não são frutas que se espreme o caldo e lança o bagaço no lixo. Pessoas têm sentimentos, amam, se apaixonam, choram, sofrem. São seres humanos e não objetos. O que não está bom numa relação pode ser mudado com esforço de ambos, não precisa ser descartado.