quarta-feira, 22 de julho de 2020

Conchas do Peregrino


Existem lendas que dizem que as conchas são símbolos do peregrino, significam proteção e conhecimento. Há quem devolva as conchas de vieira ao mar, depois da travessia, há quem as carregue ao peito como memorial do percurso. Uns e outros entendem que as conchas são positivas e transmitem boas vibrações.

A primeira vez que vi o mar eu levei comigo uma concha, mesmo sem nada saber ou crer das lendas. Era uma memória boa daquele lugar, e eu nem sabia que se chamavam conchas de vieira, com o sobrenome do meu avô que acabei não herdando em documento.

Uma das lendas diz que o peregrino carregava a sua concha até parte do percurso depois agradecia e devolvia-a ao mar, para servir de conhecimento ao próximo peregrino. E a vida é assim, um mar verdejante, onde a gente sem muito refletir se encanta com uma concha, que são algumas pessoas, de formato singelo e rústico ao mesmo tempo, escolhe trazê-la consigo junto ao peito até onde ela se permite nos acompanhar. Só que em certa parte do caminho percebemos que precisamos deixá-la para trás, que aquela concha tem muito a ensinar ao próximo que vai passar por ali, ou de repente percebemos que ela carrega alguma energia ruim, talvez do peregrino antecessor.

Não temos controle sobre o vai e vem dos passantes, e nem o que eles carregam de bom ou ruim. Podemos até ser feridos por alguma fenda cortante da concha que possa ter sido deixada ali por outra pessoa, ou pelo tempo, ou mesmo pelo sal marinho. Não temos como prever como lidar com as conchas, muito menos com as pessoas. Essas até poderiam ser mais cristalinas que a própria água do mar, mas as circunstâncias acabam moldando algumas de modo a sempre se protegerem, e às vezes, como um predador, também a atacar, mesmo que a gente não ofereça nenhuma ameaça.

Nos resta seguir nossa peregrinação, de coração aberto, embora às vezes tristes, por ter que deixar memórias que gostaria de carregar mais um pouco. Reza a lenda que devemos deixar as conchas no caminho e continuar caminhando. O caminho se faz caminhando, segue com a gente quem quer. Quem não quer Deus acompanhe. Seguimos florindo, sorrindo e amando!

sábado, 18 de julho de 2020

Borboleta


A feia crisálida, que antes era uma lagarta voraz, se ajusta em seu casulo, costura-se com zelo e cuidado, torcendo para que nenhum desavisado interrompa seu processo e apresse sua saída, o que a causaria uma ferida irremediável e sua morte, sem jamais se tornar uma linda borboleta!

Toda menina é meio borboleta. Passa pelas fases de lagarta, comilona voraz, feia, desengonçada. E depois entra na fase crisálida, que pode se prolongar por mais ou menos tempo na fase adulta, até que possa enfim virar mulher, a colorida borboleta.

Às vezes, na fase crisálida, a garota ainda adolescente sofre todo tipo de pressão que a fazem querer apressar sua fase borboleta. Querem lhe apressar as decisões, as experiências, a vida. E muitas vezes o que acontece é um processo lento de extinção das borboletas, deixando várias crisálidas coloridas artificialmente que nunca aprendem a deixar-se sair do casulo e voar.

Mas é bela a imagem do processo natural da borboleta. E é belo o caminho natural da mulher. Na hora certa ela pode sair voando e conhecer novos caminhos, não há por que apressar, e não tem tempo certo que se aplica a todas, cada uma tem sua história, seu próprio momento. Ninguém perde por esperar, e só ganha aquele que não contraria sua natureza, mas a assiste e a protege até que possa conquistar o auge da beleza da sua frágil borboleta. 


sexta-feira, 17 de julho de 2020

Desistir


“Eu não deixaria você desistir”. Certa vez ouvi isso de alguém quando contava um episódio em que terminei um relacionamento duradouro. Talvez essa pessoa poderia ser de ajuda para remediar e jogar luz em muitas situações turbulentas. Certamente é sempre melhor consertar que descartar, mas também precisamos saber quando desistir de alguém significa não desistir de nós mesmos.

Um relacionamento requer frequentes doações de si próprio, é preciso relevar muitas coisas, balancear comportamentos. E parte disso se sustenta com base nos objetivos em comum do casal, nos planos juntos, ou na ideia que se tem do potencial daquela conjunção entre duas pessoas. Com exceção de um casamento firmado, qualquer outro relacionamento amoroso é passível de desistência, se não for possível olhar muito além na perspectiva do horizonte juntos.

Muitas vezes carregamos relações vazias e sem sentido, só porque estamos acostumados com aquela pessoa ao nosso lado, temos carinho, amizade, e atração física por ela. As carícias são familiares e ele – ou ela, já conhece seus piores defeitos, poupa tempo e energia de construir uma nova história do zero.

O tempo passa, e percebe-se que não se trata mais de amor, se é que um dia foi. Os planos de futuro de cada um vai para um lado, as conquistas da pessoa não te faz feliz também, é indiferente. Um está confortável num encontro uma ou duas vezes por semana, o outro quer a semana toda juntos. Um queima em brasas silenciosas, o outro é frio feito uma pedra de gelo. É mais que ser opostos, os opostos até se atraem. Os indispostos repelem.

Não basta um dos dois buscar ajuda e compreender o que acontece. Não adianta alguém de um lado só ajudar a não desistir. Não desistir do que? De quem? De alguém por quem o sentimento morreu à mingua em meio a tantos desencontros, perdidos na babel da linguagem do amor? De alguém que faz uma cena a cada tentativa de libertação e que nos faz sentir culpados por não ser tão controlados e compassivos ao ponto de entender a fragilidade daquela pessoa que amamos tanto, mas não tanto quanto a nós mesmos?

Eu sou adepta da luta. Buscar sempre todos os meios de contornar, reparar, corrigir. A culpa de uma relação arruinada nunca é de uma pessoa só. Mas o desejo pela solução precisa ser comum. Depois de muitas tentativas de nada adianta se sacrificar por uma relação, e deixar os olhos se distrair ao redor pelo que não tem. Até onde vale a pena ir e voltar, ou persistir numa história? Por que persistir ao lado de quem não consegue enxergar seu próprio caminho, e cujas pegadas nos levariam para longe de onde gostaríamos de estar? Que comunhão tem a luz com as sombras?


domingo, 12 de julho de 2020

Quem acredita em príncipe encantado?


O príncipe encantado permeou o imaginário feminino por muitas gerações. O príncipe é a personificação do homem ideal, que possui todas as características desejáveis para uma mulher. O cara que é o condensado dos melhores personagens de filme de sessão da tarde com um tempero dos galãs de filmes +18.

Obviamente, essa perfeição não existe, mas nunca nos impediu de deixar de acreditar numa parte da descrição do príncipe – o homem ideal; o homem que mexe com as nossas emoções mais profundas, que nos faz querer planejar uma vida em comum, que nos faz rir, que nos faz tremer as pernas e deixa com frio na barriga. E aí varia, o ideal de cada uma possui suas próprias características, assim todos podem ser um príncipe desde que encontre uma princesa que queira exatamente aquilo que ele é.

Posso dizer que observei alguns príncipes por aí, que infelizmente não estavam mais disponíveis, alguma sortuda passou antes na vida e levou embora. Em toda minha vida tive que lidar com pessoas que naturalmente chegavam antes de mim nas fases, nos lugares, nas experiências. Com o tal príncipe ideal não seria diferente. Porém existem muitos que se enquadram numa característica ideal, também pode acontecer de encontrar aquele com uma característica inesperada, tão boa que nem nos melhores sonhos poderíamos imaginar, não precisa gastar energia torcendo contra quem chegou na sua frente numa história bacana.

Eu acredito que existam muitas histórias boas para serem vividas. Mas também acredito que tudo tem seu tempo. Não adianta precipitar nada, e nem sair apostando errado as fichas. A gente sabe por quem o coração bate, e não fugimos de pessoas em vão. O que tem que ser será, sem que nossa torcida contra ou a favor influencie em nada.

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Queimar Pontes



“Quando desistir já não é mais uma opção, o sucesso é inevitável”. Autor Desconhecido

Quando nos deparamos com decisões desafiadoras, quando nos vemos diante do agora ou nunca, quando precisamos dar o primeiro passo para o resto da nossa vida, necessitamos queimar pontes, que é uma metáfora de vida que implica que não há mais volta, desistir não é mais uma opção.

Não se queima muitas pontes ao longo da vida. A vida não requer tantas mudanças extremas assim, mas é preciso ao menos uma vez partir sem olhar para trás. Semelhantemente, na Bíblia há o relato da esposa de Ló, que desobedecendo a ordem dos anjos de Deus olhou para trás, para o que deixava em Sodoma, e virou estátua de sal. Como símbolo da desobediência.

Quantas vezes Deus chegará em nossa vida dizendo “Vá!” e nós com medo, desconfiados, olharemos para trás, para o suposto conforto de onde estamos acomodados e preferiremos ficar. Ou até partiremos, mas temerosos voltaremos para trás, ou pararemos pelas campinas que tanto quanto olhar para trás foi recomendado a Ló e esposa que não fizessem.

Mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim, prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus. Filipenses 3:13,14

Queimar pontes é necessário. É preciso cuidado, para não queimar pontes vitais e imprescindíveis, pontes que nos ligam ao mais belo terreno sagrado do amor, da amizade, da paixão. Mas aquelas pontes que nos levam ao caminho do medo, da insatisfação, do sofrimento, que nos levam a desistir de um caminho decisivo, certamente devem ser consumida em chamas. 

terça-feira, 7 de julho de 2020

Inspiração



Escrever é como um feitiço. Não é simplesmente a união dos elementos que faz algum efeito, é a magia que os envolve. A literatura, por meio de crônicas, contos ou poesias precisam mais do que palavras bem colocadas, coerência; precisam de inspiração.

E o que nos inspira? Ou ainda o que sustenta a inspiração? Porque qualquer assunto pode inspirar, para um compositor ou escritor tudo pode acontecer, inclusive nada. O que ampara a criatividade são as emoções, alegres ou tristes elas dão asas à imaginação.

A tristeza esperançosa, regada com um pouco de amor, de carinho, atenção, pode preencher muitas margens de um papel. Igualmente a alegria, banhada de prazer, afeto, amizade e bom humor, pode produzir muitas coisas belas e frutíferas.

E o que espanta a inspiração? Por mais caros ao nosso coração, o objeto de nosso entusiasmo criador quando personificado em alguém, seja uma amigo, um amor, um filho, um irmão, pode deixar de nos animar. Muitas vezes sem que nada tenham feito para inspirar ou deixar de fazê-lo. É o vai-e-vem da emoção, o sofrimento quem dispersa os bons ventos. Inspiração requer paz de espírito por mais que tudo lá fora seja um caos.

A dor é amiga, o sofrimento não. Deixar doer faz bem. Sofrer não. É opcional, disseram-me, uma vez. Muitas vezes não temos forças ou sabedoria para deixar de optar pelo sofrimento, mas ainda assim é uma opção, que cega os sentidos, cala o inconsciente e sufoca a poesia da vida. Não são as pessoas ou coisas que deixam de nos inspirar, ou perdem valor criativo, existem pessoas que parecem nascidas para nos estimular a amá-las e a criar. São nossas agonias que nos desconectam da magia que faz a composição ganhar asas e voar por aí. É necessário paz. Bandeira branca amor!

quarta-feira, 1 de julho de 2020

Não se apega



Existe algo mais profano que ouvir alguém dizer “não se apega”, quando um vestígio de afeição aponta lá longe no horizonte? Como se relaciona sem se apegar, sem trazer para si a pessoa alvo do seu sentimento, seja ela uma nova paixão, um grande amor ou uma amizade?

Às vezes notamos muito fácil os paradigmas do nosso próximo, às vezes apenas supomos com base em nossos próprios. E com base em suposição oferecemos um antídoto falho. Não se apega, talvez seja uma tentativa de dizer para não se tornar dependente emocionalmente, não se deixar abusar. Mas não é isso que apego significa. O problema é o excesso, quando a afeição subverte a pessoa amada.

É uma imagem feia, se entregar sem se apegar; viver sem se apegar. É frívola, vazia, estúpida. Apegar ainda é uma palavra mais poética que cativar; cativo é prisioneiro, “é querer estar preso por vontade; é servir a quem vence, o vencedor”, nas palavras de Camões. Sou como a Clarice Lispector “terei sempre apego pelo que vale a pena e desapego pelo que não quer valer”, quem não se apega não quer valer.

Talvez pelo mau uso a palavra tenha perdido seu sentido, e eu que não acompanhei a sua involução linguística. O que mais se vê são palavras esvaziadas do seu sentido, da sua raiz. E igualmente vemos pessoas fazendo de si mesmas como fazem com as palavras, esvaziando-se de seus sentimentos profundos e permanecendo no raso. No mínimo confortável, sem intensidade, pois é mais fácil de fugir depois.

Pode ser que isso seja bom para alguém. Quem gosta disso, saudações! Não me vejo nesse personagem enquanto tiver um coração cheio de amor. Apegar-se é afeiçoar-se, é trazer consigo, ter em si alguém a quem se quer bem. Eu me apego! Se for preciso, lá na frente eu desapego, se não fizer mais sentido, se não quiserem mais o meu afeto, se for uma ilusão, se não valer a pena. Vai doer, mas tudo bem! O importante é não deixar de amar, de se doar. Como dizia o poeta: “Porque a vida só se dá pra quem se deu, pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu”.