domingo, 31 de maio de 2020

Nada é por Acaso

Photo by mspoli
A primeira vez que pisei numa quadra para jogar futebol foi graças ao meu irmão, que me colocou para cobrir a ausência de alguma menina da sala dele na aula de educação física da escola (ou seria um campeonato?). Eu nunca tinha jogado nada, eu nem participava das minhas próprias aulas de educação física, que eram fora do horário da aula, e por questões de saúde eu não frequentava.

Lá estava eu, sem entender patavinas de futebol, sem conhecer nenhuma das meninas do time, mas de prontidão atendendo um pedido do meu irmão! O que eu não fazia por ele, já naquela época? Fim de jogo, e até hoje não faço ideia do que aconteceu naquela partida! E nem se os chutes que eu dei, foram prós ou contra o meu time!

A segunda vez foi na ETEC, uma experiência deliciosa que eu tive de voltar a estudar numa turma mista, com pessoas de todas as idades e gerações! Todos daquela turma eram pessoas incríveis que guardo com grande carinho no coração. Era uma aula de Análise SWOT e nós tínhamos que aplicar os conceitos no times de futebol, e eu entrei em quadra como zagueira do time feminino Tubarão Branco. Fiz até um gol graças a goleira! Além de atividade do curso era uma ação beneficente, para arrecadar doações de páscoa para crianças. Então lá estava eu. Aliás esse curso foi o princípio do meu retorno ao convívio social. Acho que eu toparia qualquer coisa que me pedissem. 


Depois disso eu fiquei só na vontade de jogar bola e de entrar em campo para o que desse e viesse de novo. Eu não me lembrava, mas nos tempos da ETEC eu estava revigorada e animada como agora. Naquela época eu saí na rua vestida de Chiquinha do Chaves, paguei de rival da Ana Julia em clipe da música do Los Hermanos cantada pela Banda Impacto (colegas de sala), joguei futebol, fiz de tudo um pouco, sem vergonha. Vai entender...

Eu estava contente pela oportunidade de voltar a viver. Mas alguma coisa se perdeu no meio do caminho. Perdi o foco das minhas metas. Conheci pessoas e passei a me ajustar a uma realidade que não era a minha, não era a que eu queria. Com pouquíssimo tempo vivendo por mim, passei a viver por outra pessoa, e parecia bom. Era alguém que me ajudava, me guiava e me amparava. Mas era justamente o que eu não queria mais, mas não me dei conta.

Sem perceber saí debaixo das asas de alguém que me superprotegia, para debaixo de outras asas de alguém que me confortava, num momento que eu não precisava de conforto. Eu precisava correr riscos. Eu precisava fazer o que a ETEC me proporcionou, convívio com as gerações, momentos de vergonha alheia, ações de cidadania visitando idosos, e crianças. Eu precisava viver!

Na última semana, algo me trouxe de volta aquele ponto. Como disseram de forma acertada era como se eu estivesse no banco de reservas e entrei de volta em campo fazendo gol! Só que dessa vez eu estava aquecida, e estranhamente treinada. Dessa vez pelo menos eu conheço quem joga no meu time, e até aqueles que não estão lá muito comprometidos com o resultado do jogo. Dessa vez eu já sei as forças, fraquezas, ameaças e oportunidades em cada jogada. A questão é: vale a pena jogar apesar das fraquezas e ameaças, ou devo voltar para o banco?

Nada é por acaso. Foi meu irmão quem me colocou em campo a primeira vez, foi meu irmão quem viabilizou financeiramente meu ingresso na ETEC. E indiretamente, foi ele quem me fez tomar algumas ações que me colocaram em campo novamente. Dessa vez não vou deixar passar, e nem correr o risco de levar cartão vermelho no início do jogo.


sábado, 30 de maio de 2020

Você Dorme no Formol?



Sempre que respondo minha idade ou posto fotos antigas as pessoas se espantam e brincam: “você dorme no formol”! É engraçado, e é uma das coisas boas que trago de legado da minha história. Particularmente gosto do que vejo no espelho. Outro dia me perguntaram: você se acha bonita? Quis responder que sim, mas disse “dá para o gasto” ... por que temos dificuldade de admitir nossas qualidades? Sim, me acho bonita! Tenho muitos pontos estéticos a melhorar, mas não comprometem o essencial. Sou reflexo das minhas poucas experiências!

O que nos faz envelhecer a aparência? Uma pesquisa rápida revela que o envelhecimento é causado por fatores como poluição, má alimentação (Mc Lanche Feliz?), fumo, sedentarismo, estresse e, principalmente a exposição solar. Meu segredo de beleza é justamente não ter ficado exposta a nada disso – talvez um pouco de sedentarismo – por longos 23 anos, salvo em algumas horas do dia (percurso para ir e vir da escola) que eu tomava um solzinho, ou chuva... saudades dos banhos de chuva! Preciso de um banho de chuva...


SONETO DO AMOR NÃO VIVIDO 


Cansei de contar horas,

Minutos ou segundos...

Sei lá o que vai lá fora,

Se aqui dentro é um absurdo!



Pintei-me com carmim

Nas noites de luar,

Mas quando amanheci

Eu vi a jovem passar



A espreita dum amor

Que nunca ousou deixar

Fugir além do olhar;



De braços bem fechados,

Coração maltratado,

Parti antes de inflamar... 



Voltando ao assunto, não recomendo meu método para ninguém. Se hoje estou bem, foi graças a Deus, mas doeu. E não tem como garantir os mesmos resultados para o mesmo método. Podemos mudar o método, mas não a meta (incrível como minha memória está absorvendo certas falas de alguém), então amigas lindas, vocês podem até parecer a idade que tem, isso não é ruim, mas recomendo outros métodos para que fiquem muito tempo assim, cosméticos, academia, paz de espírito, fazer a egípcia para opinião de gente falsa e qualquer outra coisa, menos o isolamento social.

Esse isolamento do Coronavírus é brincadeira de criança perto do meu intensivão da infância e juventude. Minha cota estourou, por isso Deus me colocou para trabalhar em atividade essencial. Bora trabalhar, agora é a minha vez! Vocês já estão em outra fase de um jogo que eu estou só começando! E agradeço imensamente por poder aprender com a experiência de cada uma de vocês. Cada um também, embora os rapazes demonstrem menos espanto com minha aparência. A beleza realmente está nos olhos de quem vê, mesmo de quem se vê pelo espelho. 


quinta-feira, 28 de maio de 2020

Boas Vibrações





Reza a crendice popular que Joaninha é símbolo de boa sorte, vibração de alegria e harmonia. Não acredito, nem desacredito. É o tipo de crença que se não fizer bem, mal não faz! Estava num lugar ensolarado, em ótima companhia no horário do almoço, e quando voltei ao trabalho, tinha uma joaninha no meus cachos. Joaninha é um bichinho meigo, colorido com poá! A minha era amarela com bolinhas pretas, não consegui uma foto decente dela, infelizmente. Estou num estado tão estranho, que ando me comovendo com uma Joaninha!

Ela caiu dos meus cabelos na mesa, e ficou abrindo as asas. Asas. Gosto muito da figura. Asas e voar. Sempre que eu ouvia uma música com a frase Fly Away eu já ficava atenta ao resto da canção. Tinha uma lista delas, mas a minha preferida, até hoje inclusive, é a Don’t Stop Dancing da banda Creed que diz: Children don’t stop dancing, believe you can fly away, away. Hoje um conjunto de fatores me fez lembrar dessa música. As asas da Joaninha, a criança (children) e a dança... Não pare de dançar criança, acredite, você pode voar longe!

A TI QUE ME GUARDA

És belo e iluminado qual uma estrela

De luz aquecida que punge minha asa

Tingida de cobre com traços de prata

Que me leva pro alto num rastro de areia



A ti que me guarda, devoto meu sonho

Desejo feliz de quem nasce com asas

Amor piedoso alivie minhas chagas

Mantenho disfarce, mas doem meus enganos



Então me deixa pousar junto ao seu brilho

E embebedar-me com o mel dos seus lábios

Palavras dum santo que veio do espaço

Missão de um senhor pelo mundo esquecido



Canção que me torna um ser novo, alado,

De mim despojando algum medo escondido e

Meus outros reflexos vãos, desconhecidos...

E saio voando em meu mundo inventado!


A menina tímida que eu fui, que morria de medo de apresentar trabalho de grupo na escola, que era tímida ao extremo e sofria bullying. Aquela menininha tem me visitado e eu quero dar voz a ela. A mesma menina que escreveu a poesia acima. E todas que já postei nesse blog. “Vamos resgatar essa menina” diz a voz do meu coração. Resgatar de onde? Onde a deixei? Por que a deixei? O tempo passa, mas nem tudo precisa passar com o tempo.

É Joaninha, valeu por me trazer boas vibrações! A vida é realmente incrível!


quarta-feira, 27 de maio de 2020

Grades



Grades não protegem. Grades aprisionam.

Nunca gostei de grades. Quando ainda pequena colocaram janelas com grades em casa eu me senti muito mal. Um bicho de zoológico, um pássaro na gaiola, uma criminosa. Pensei que se um bandido entrasse pela porta da frente não daria nem para fugir pela janela. Eu não pensava que a grade impediria alguém de entrar, só que me impediria de sair! Um bandido determinado a entrar conseguiria, pensava. Com as armas certas ele poderia nos render, apesar das grades.

Esse sentimento de estar atrás das grades sem a posse das chaves me acompanhou por muito tempo. Até que me acomodei ao ambiente, e era como se as grades fizessem parte de mim. Qualquer um que tentasse arrancá-las me machucaria. Por muito tempo vivendo daquela forma qualquer tentativa, ainda que remota (e sempre eram remotas) de me tirar dali, ou mostrar motivos para sair me assustavam. Era o que eu mais queria, mas eu não podia alcançar.



O PASSARINHO

O passarinho engaiolado

Condor, não sabe mais voar,

Pia triste já domesticado,

Predador, tão longe do seu habitat;



Quem sabe do seu sofrimento?

Das canções desse prisioneiro,

Que vem falando de um amor

Que nem sonhou no mundo inteiro!



Que importa que teu canto fale

Das coisas que não conhecera,

Das joias que o destino embala,



Se o que lhe resta dessa vida

Não é nenhum rabo de sereia,

Nem estas conchas retorcidas!



Nos últimos tempos eu tinha perdido de vista essa perspectiva de estar atrás das grades; e olha que as grades continuam nas janelas! Até que eu ouvi uma expressão assustadora: “você precisa se entregar”. Era como se um bandido estivesse dizendo: “deixa eu entrar, se renda”. E eu já sabia que não dava para sair pela janela. Mas a porta ainda estava fechada. Será que ele – o bandido, está armado? Imaginei. “Abra”. Ao contrário do que imaginei, meu primeiro impulso não foi fugir. De repente, pode ser que valha a pena a dor de arrancar as grades. Além de mim, tem mais gente aprisionado por elas, se eu deixar alguém arrancá-las não serei a única a poder voar...

Dizem que passarinho de gaiola desaprende a voar. Será? Lá fora tem um bandido ou um caçador? Será que dá para negociar? Mas eu não quero negociar. Eu quero abrir a porta, ou arrancar as grades das janelas, vale até derrubar alguns tijolos da parede. Mas e se a pessoa à porta for má? Existe algo pior que estar preso aqui dentro? Há algoz pior que nossos medos? Do que eu tenho medo? Tenho medo de pensar nos próprios medos...

Ok. Eu me rendo, mas como se faz?



Texto baseado em fatos quase reais. 


terça-feira, 26 de maio de 2020

Uma Palavra



Numa conversa totalmente inusitada, embora esperada, alguém me fez uma provocação: “defina-se em uma palavra”, disse. Ah, essa é fácil, pensei. Pergunta clichê! Para meu espanto fui tomada por um terrível branco, um vácuo existencial, e não encontrei nenhuma resposta! Como assim? Logo eu, consumidora voraz no passado de livros de Auto Ajuda (mentira, eu só lia o que chegava em minhas mãos, é que chegavam muitos!)? Logo eu que já tive três psicoterapeutas – que pelo que me lembre nunca me fizeram essa pergunta? Logo eu que ensaiei tantas vezes respostas para perguntas tipo “cite uma qualidade ou pontos a melhorar” para processos seletivos internos? Logo eu?

Horas depois da conversa terminada, o vácuo continuava. Nem uma mísera palavra para definir a mim que brincava com as palavras desde muito jovem. Ora, ora palavras vocês não foram legais comigo! Muito depois surgiram várias possibilidades: criativa, teimosa, chata..., mas elas não me pareceram a definição, eram apenas características acessórias. Qual seria então a palavra?

Resolvi ir à fonte, lá nas minhas poesias, que comecei a escrever aos 13 anos, e vim lapidando até por volta dos vinte e poucos anos, até nascer este blog, e poesia virar artigo démodé. Virei bloguerinha e abandonei minhas poesias... não foi uma boa ideia, mas tinha perdido minha inspiração. Procurei pela palavra mais repetida, e achei sonho:



Todos os sonhos que sonhei,

No louco abrigo do meu mundo,

Tantos amores que criei,

Imagens sem plano de fundo,



Nada mais vale ante o real,

Sonho mais belo ao horizonte...

Que nada traz do vão ideal,

Porém carrega luz de instantes,



Iluminando-me à sacada,

Como um sorriso que me acolhe,

Onde eu sonhava só e acordada;



Temo, e outra vez mais sempre vale,

Renunciar a era sonhada

Pelo momento que se escolhe.



Sonhadora. É a palavra perfeita! Ela serve para definir quem eu fui lá atrás quando escrevi essa poesia, serve para hoje, e certamente servirá para amanhã, a menos que algo muito inesperado me roube os sonhos! Sonho acordada (muito), dormindo, e tenho aqueles sonhos que nessa conversa revelei pelo menos um deles, que na verdade é um combo, um leva ao outro. Confesso que tenho medo de que esse sonho esteja prestes a ser roubado pelo tempo e pela biologia. 

Foi uma conversa curiosa e deliciosa, onde o resultado saiu fora de qualquer plano, ou expectativa. E a intenção estava mais fora do contexto ainda! Pelo menos eu acho. Desse dia, fica a lição: cuidado para quem você pede ajuda. Você pode conseguir, até mais do que você pediu, e aí não vai ter mais desculpa para continuar carregando velhos problemas!

domingo, 17 de maio de 2020

Geração Ching Ling


Nesse tempo de pandemia da Covid-19 fui forçada a refletir sobre muitas coisas, entre elas o fato óbvio que preço baixo não é sinônimo de melhor valor. E preço alto também não equivale a qualidade. Como profissional de processos, com foco cada vez maior na experiência do cliente, é inevitável concluir que coisas boas possuem custo, coisas muito baratas são paliativas ou não duráveis. Mas o preço tem mais a ver com a oferta e procura – comportamento do cliente – que com o custo ou qualidade.

Sou de uma geração classe média que sei lá por que, foi acostumada a utilizar produtos baratos, em grande quantidade e muitas vezes sem utilidade nenhuma. Embora, pessoalmente eu nunca fui consumista por diversas razões, passei a adolescência ouvindo falar das famosas lojas de 1 real, que eram a sensação do momento! Vários produtos pela bagatela de 1 real a unidade!

Também vi nascer outra geração que curte uma obsolescência, mas com um preço um pouco maior. O pessoal do Smartphone. Troca de smartphone como quem troca de roupa ou sapatos. E a necessidade é exatamente trocar o produto por uma versão mais moderna com as exatas mesmas funcionalidades práticas e uma corzinha diferente, ou nem isso.

Somos a geração Ching Ling. O mercado de produtos obsoletos captou o princípio inerente da geração: não importa o preço, mas o significado emocional. O mesmo fator que leva um cliente a se esbaldar numa loja de 1 real e sair com sacolas cheias de quinquilharias, é o mesmo que leva outro cliente a parcelar a perder de vista um smartphone novo e encostar outro em condições de funcionamento, só porque não é a versão mais moderna.

Se dar ao luxo de comprar umas inutilidades de vez em quando não é o problema. O problema é quando vira um hábito de consumo. Quando não se tem consciência no longo prazo do prejuízo econômico de consumir produtos com durabilidade programada ou inexistente. O tal do isolamento social colocou em xeque a “necessidade” de tais objetos. Tanto por um dos principais países produtores, a China, que está com o status comprometido para alguns grupos de analistas, quanto pela crise econômica que está trazendo a tona o real valor de 1 real multiplicado por vários outros reais que se gastado em vão pode deixar alguém com fome no dia seguinte.

Não ter a lojinha do China aberta para ao passar por ela, entrar e comprar algo só porque é legal e não porque precisa, está fazendo a população poupar como nunca. O ruim é que em contrapartida, os preços no estabelecimentos ditos essenciais, devido a alta demanda de alguns produtos, estão maiores, ou seja, em grande parte fica elas por elas. Mas, espero que esse cenário, salvo o espectro apocalíptico que muitos querem aplicar, traga um pouco mais de sabedoria a todos. Que nossas necessidades de consumo passem a ter correlação com nossos valores e não com nossas emoções pura e simplesmente. Nossas emoções são vulneráveis a falsos estímulos, nossos valores são ancorados em nossos princípios e crenças.


sábado, 9 de maio de 2020

Seja Preciso no Que Diz



“As limitações de todas nossas percepções das coisas e dos eus se manifestam quando algo no qual usualmente podemos confiar em nosso mundo simplificado quebra” Peterson, J.B

A citação acima faz parte do livro 12 Regras para a Vida – Um antídoto para o Caos, de Jordan B. Peterson. Apesar de ter dado um exemplar do livro para uma amiga do trabalho, e de ter boas recomendações sobre ele, nunca o tinha lido. Esperava um dia pegar emprestado com a amiga, mas nunca busquei ocasião de pedir-lhe.

Mesmo ignorando os detalhes sobre a leitura, aceitei de bom grado alguns spoilers em formato de podcast, de um canal que eu acompanhava há algum tempo. Numa série formatada com um episódio por regra, o autor, André Assi Barreto, resumia e interpretava as regras exemplificando-as com suas próprias experiências. Sem dúvida foi um formato de sucesso, não só para mim. Os intervalos gigantescos entre um episódio e outro dava sinais de sua audiência.

O episódio 10, portanto sobre a 10ª regra, tinha o título simplificado deste post: Seja preciso no que diz. A abordagem do podcast foi muito boa, e pegou um dos vieses do capítulo original do Peterson de forma muito interessante, como todos os episódios anteriores. Não tentarei traduzir aqui as colocações do autor, ouçam a série no podcast Olivertalk.

“Você precisa se comunicar melhor” era uma frase padrão que duas pessoas repetiam insistentemente, como se a frase em si fosse um método excelente para comunicar o que queriam dizer. Na prática ela não diz nada de específico. E não poder comunicar-lhes isso era um dragão que eu carregava, ciente da sua existência e tamanho, mas que eu nada podia contra ele. Pelo menos até o dia em que o episódio foi narrado, e que deixei um comentário.

Como não tinha lido o livro, o título me deu a esperança de que o assunto poderia abranger algo que me ajudasse a entender o mistério no qual ninguém precisava saber se comunicar para exigir melhor comunicação dos outros. “Este episódio frustrou minhas expectativas”, comentei, em tom de brincadeira, esquecendo-me de colocar um emoji para ilustrar o tom. “Tenho problemas para me expressar” continuei me acusando daquilo a que me tachavam. Nenhuma das expressões, contudo, é verdadeira.

O episódio não me frustrou. Deixou-me com gostinho de quero mais, e com a expectativa de que o assunto pudesse ser expandido não apenas para experiência do autor, mas às dos ouvintes, ou às minhas, por que não? Ou quem sabe ainda ele poderia ter alguma experiência semelhante à minha para contar nesse capítulo? Não consegui ser clara o suficiente no comentário, seria problema de oratória? Mas oratória se refere a falar em público, um comentário é só um comentário, até a Folha dá manchete ao que diz o leitor... (contém ironia).

Algo de errado não estava certo. Resolvi arrumar uma versão do livro para ler. E contrariando a lógica, comecei pelo capítulo 10. E próximo ao começo do capítulo, Peterson diz: “Não percebemos os objetos, mas sim sua utilidade e, ao fazer isso, nós os tornamos suficientemente simples para uma compreensão satisfatória. É por essa razão que devemos ser precisos em nosso propósito. Sem essa precisão, afogamo-nos na complexidade do mundo”.

Propósito. Eureka! As palavras que grifei acima clarearam minha mente sobre a possível causa do ocorrido. O primeiro episódio do podcast foi há 3 meses, estava numa fase péssima pessoal e principalmente profissional. De repente me surge uma série no podcast sobre um livro que propunha um antídoto para o caos, era tudo que eu precisava! Comecei a ouvir os episódios e perdi completamente o propósito de vista e fiquei me deliciando com as narrativas (no bom sentido) do André Assi. De repente tinha virado tiete, fã da série em especial. E sem precisão no propósito, que eu até então não tinha tomado consciência, qualquer opinião sairia mal colocada.

Quando as coisas desmoronam, e o caos reemerge, podemos reestruturá-las e restabelecer a ordem através de nossa linguagem. Se falarmos com cuidado e precisão, somos capazes de compreender as coisas, colocá-las em seu devido lugar, estabelecer um novo objetivo e superá-la”.

Eu recebi uma resposta ao meu comentário, e foi tão decepcionante! Foi – a princípio - a prova inequívoca de que tinham razão, ou seja, eu não sabia me comunicar, pois não me fiz entender nem num breve comentário! Que atestado de incompetência público que eu recebi! Depois de muita raiva e unfollows, resolvi parar, oxigenar o cérebro e raciocinar por quê aquilo tinha me afetado tanto. Era só um podcast de um ilustre desconhecido que, por isso mesmo nada sabia sobre mim.

Pela leitura do livro percebi algo que não estava no episódio do podcast, a nossa capacidade de identificação. Ouvindo o André, num papel até então inédito, colocando suas experiências pessoais em pauta, fui me identificando, esse meu blog foi criado há 10 anos para descrever experiências e clarear a mente (Medos Privados e Lugares Públicos), assim como meu outro blog Diário Fragmentado. De repente sua opinião passou a importar. E não há nada pior que uma opinião negativa, intencional ou não, de quem importa.

O problema não era não saber me expressar, nem oratória. O problema no comentário era que eu ignorava o propósito que me conectava ao autor, que passou a ser a identificação com os relatos e não mais a necessidade de antídoto para o caos, e na vida (ou caos), era porque o meu propósito não podia ser comunicado sob pena de retaliação. Eu não me expressei mal por deficiência cognitiva ou de método linguístico, mas por bloqueio psicológico, ora, ora!
 Os dois propósitos estavam inconscientes, e é exatamente o ponto do capítulo no livro, que inclui enfrentar o problema e procurar enxergar o dragão, ou deixar que ele cresça até tomar conta de todo espaço. 

Fiz minha lição de casa. Eu não teria avançado até o capítulo 10 dos podcasts sem aprender nada! Um grande professor falando sobre outro teria que deixar frutos. É uma pena que tudo tenha ocorrido de uma forma tão estranha, mas também foi um excelente aprendizado. Não fosse isso eu estaria até agora sem entender nada. Talvez em breve eu decida ouvir os dois episódios restantes da série. Por ora, termino com boas citações que Peterson já tinha deixado de lição, se eu tivesse lido ao invés de aceitar passivamente somente os spoilers alheios:



A psique (a alma) e o mundo, nos níveis mais elevados da existência humana, são ambos organizados com a linguagem através da comunicação. As coisas não são como parecem quando o resultado não foi nem intencional nem desejado. O Ser não foi classificado nas categorias apropriadas quando não está se comportando adequadamente. Quando algo sai errado, até a percepção deve ser questionada, assim como a avaliação, o pensamento e a ação.

“Tenha cuidado com o que diz a si mesmo e aos outros sobre o que fez, o que está fazendo e aonde está indo. Busque as palavras corretas. Organize-as em sentenças corretas e essas sentenças, em parágrafos corretos. O passado pode ser redimido quando reduzido à sua essência através de uma linguagem precisa”.

“Diga o que quer dizer para que possa descobrir o que quer dizer. Aja de acordo com o que diz para que possa descobrir o que acontece. E então preste atenção. Perceba seus erros. Articule-os. Esforce-se para corrigi-los. É assim que você descobre o significado de sua vida. Isso irá protegê-lo da tragédia de sua vida. Como poderia ser diferente?”