sábado, 9 de maio de 2020

Seja Preciso no Que Diz



“As limitações de todas nossas percepções das coisas e dos eus se manifestam quando algo no qual usualmente podemos confiar em nosso mundo simplificado quebra” Peterson, J.B

A citação acima faz parte do livro 12 Regras para a Vida – Um antídoto para o Caos, de Jordan B. Peterson. Apesar de ter dado um exemplar do livro para uma amiga do trabalho, e de ter boas recomendações sobre ele, nunca o tinha lido. Esperava um dia pegar emprestado com a amiga, mas nunca busquei ocasião de pedir-lhe.

Mesmo ignorando os detalhes sobre a leitura, aceitei de bom grado alguns spoilers em formato de podcast, de um canal que eu acompanhava há algum tempo. Numa série formatada com um episódio por regra, o autor, André Assi Barreto, resumia e interpretava as regras exemplificando-as com suas próprias experiências. Sem dúvida foi um formato de sucesso, não só para mim. Os intervalos gigantescos entre um episódio e outro dava sinais de sua audiência.

O episódio 10, portanto sobre a 10ª regra, tinha o título simplificado deste post: Seja preciso no que diz. A abordagem do podcast foi muito boa, e pegou um dos vieses do capítulo original do Peterson de forma muito interessante, como todos os episódios anteriores. Não tentarei traduzir aqui as colocações do autor, ouçam a série no podcast Olivertalk.

“Você precisa se comunicar melhor” era uma frase padrão que duas pessoas repetiam insistentemente, como se a frase em si fosse um método excelente para comunicar o que queriam dizer. Na prática ela não diz nada de específico. E não poder comunicar-lhes isso era um dragão que eu carregava, ciente da sua existência e tamanho, mas que eu nada podia contra ele. Pelo menos até o dia em que o episódio foi narrado, e que deixei um comentário.

Como não tinha lido o livro, o título me deu a esperança de que o assunto poderia abranger algo que me ajudasse a entender o mistério no qual ninguém precisava saber se comunicar para exigir melhor comunicação dos outros. “Este episódio frustrou minhas expectativas”, comentei, em tom de brincadeira, esquecendo-me de colocar um emoji para ilustrar o tom. “Tenho problemas para me expressar” continuei me acusando daquilo a que me tachavam. Nenhuma das expressões, contudo, é verdadeira.

O episódio não me frustrou. Deixou-me com gostinho de quero mais, e com a expectativa de que o assunto pudesse ser expandido não apenas para experiência do autor, mas às dos ouvintes, ou às minhas, por que não? Ou quem sabe ainda ele poderia ter alguma experiência semelhante à minha para contar nesse capítulo? Não consegui ser clara o suficiente no comentário, seria problema de oratória? Mas oratória se refere a falar em público, um comentário é só um comentário, até a Folha dá manchete ao que diz o leitor... (contém ironia).

Algo de errado não estava certo. Resolvi arrumar uma versão do livro para ler. E contrariando a lógica, comecei pelo capítulo 10. E próximo ao começo do capítulo, Peterson diz: “Não percebemos os objetos, mas sim sua utilidade e, ao fazer isso, nós os tornamos suficientemente simples para uma compreensão satisfatória. É por essa razão que devemos ser precisos em nosso propósito. Sem essa precisão, afogamo-nos na complexidade do mundo”.

Propósito. Eureka! As palavras que grifei acima clarearam minha mente sobre a possível causa do ocorrido. O primeiro episódio do podcast foi há 3 meses, estava numa fase péssima pessoal e principalmente profissional. De repente me surge uma série no podcast sobre um livro que propunha um antídoto para o caos, era tudo que eu precisava! Comecei a ouvir os episódios e perdi completamente o propósito de vista e fiquei me deliciando com as narrativas (no bom sentido) do André Assi. De repente tinha virado tiete, fã da série em especial. E sem precisão no propósito, que eu até então não tinha tomado consciência, qualquer opinião sairia mal colocada.

Quando as coisas desmoronam, e o caos reemerge, podemos reestruturá-las e restabelecer a ordem através de nossa linguagem. Se falarmos com cuidado e precisão, somos capazes de compreender as coisas, colocá-las em seu devido lugar, estabelecer um novo objetivo e superá-la”.

Eu recebi uma resposta ao meu comentário, e foi tão decepcionante! Foi – a princípio - a prova inequívoca de que tinham razão, ou seja, eu não sabia me comunicar, pois não me fiz entender nem num breve comentário! Que atestado de incompetência público que eu recebi! Depois de muita raiva e unfollows, resolvi parar, oxigenar o cérebro e raciocinar por quê aquilo tinha me afetado tanto. Era só um podcast de um ilustre desconhecido que, por isso mesmo nada sabia sobre mim.

Pela leitura do livro percebi algo que não estava no episódio do podcast, a nossa capacidade de identificação. Ouvindo o André, num papel até então inédito, colocando suas experiências pessoais em pauta, fui me identificando, esse meu blog foi criado há 10 anos para descrever experiências e clarear a mente (Medos Privados e Lugares Públicos), assim como meu outro blog Diário Fragmentado. De repente sua opinião passou a importar. E não há nada pior que uma opinião negativa, intencional ou não, de quem importa.

O problema não era não saber me expressar, nem oratória. O problema no comentário era que eu ignorava o propósito que me conectava ao autor, que passou a ser a identificação com os relatos e não mais a necessidade de antídoto para o caos, e na vida (ou caos), era porque o meu propósito não podia ser comunicado sob pena de retaliação. Eu não me expressei mal por deficiência cognitiva ou de método linguístico, mas por bloqueio psicológico, ora, ora!
 Os dois propósitos estavam inconscientes, e é exatamente o ponto do capítulo no livro, que inclui enfrentar o problema e procurar enxergar o dragão, ou deixar que ele cresça até tomar conta de todo espaço. 

Fiz minha lição de casa. Eu não teria avançado até o capítulo 10 dos podcasts sem aprender nada! Um grande professor falando sobre outro teria que deixar frutos. É uma pena que tudo tenha ocorrido de uma forma tão estranha, mas também foi um excelente aprendizado. Não fosse isso eu estaria até agora sem entender nada. Talvez em breve eu decida ouvir os dois episódios restantes da série. Por ora, termino com boas citações que Peterson já tinha deixado de lição, se eu tivesse lido ao invés de aceitar passivamente somente os spoilers alheios:



A psique (a alma) e o mundo, nos níveis mais elevados da existência humana, são ambos organizados com a linguagem através da comunicação. As coisas não são como parecem quando o resultado não foi nem intencional nem desejado. O Ser não foi classificado nas categorias apropriadas quando não está se comportando adequadamente. Quando algo sai errado, até a percepção deve ser questionada, assim como a avaliação, o pensamento e a ação.

“Tenha cuidado com o que diz a si mesmo e aos outros sobre o que fez, o que está fazendo e aonde está indo. Busque as palavras corretas. Organize-as em sentenças corretas e essas sentenças, em parágrafos corretos. O passado pode ser redimido quando reduzido à sua essência através de uma linguagem precisa”.

“Diga o que quer dizer para que possa descobrir o que quer dizer. Aja de acordo com o que diz para que possa descobrir o que acontece. E então preste atenção. Perceba seus erros. Articule-os. Esforce-se para corrigi-los. É assim que você descobre o significado de sua vida. Isso irá protegê-lo da tragédia de sua vida. Como poderia ser diferente?”

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