terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Liberdade de Escolha - Refutando Waka Waka


Estava navegando numa rede social nesta semana e me deparei com um vídeo falando sobre liberdade de escolha, igualdade da mulher e controle de natalidade. Era um relato de Wafá Kadri, uma possível candidata a algum cargo público nas próximas eleições.

Ela defendia o direito das mulheres que não querem ter filhos. E o seu argumento era de que a esterilização voluntária, prevista pela lei 9.263 deveria ser estendida às mulheres sem filhos e sem restrição de idade. A mocinha colocou algumas falácias no vídeo, dizendo que as exigências da lei eram absurdas e inconstitucionais.

A Lei citada trata da responsabilidade do Estado sobre planejamento familiar, que segundo a própria lei é considerado como “conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal.” Em outras palavras: controle de natalidade.

Algumas falácias:

“Segundo o IBGE 15% das mulheres brasileiras não desejam ser mães. Com isso foi criada a lei 9.263, mais conhecida como lei do planejamento familiar que permite que essas mulheres passem pelo procedimento de laqueadura (...) que permite que a mulher se torne estéril, ou seja, que evite uma gravidez indesejada”

O texto colocado desta forma dá a entender que a lei foi criada para atender os anseios de mulheres que não querem ter filhos como levantado pelo IBGE. Ocorre que, segundo pesquisa no Google (Não localizei os dados no site oficial do IBGE) os 15% foi um dado de uma pesquisa de 2010 e a lei de planejamento familiar data de 12 de janeiro de 1996.

A lei também não estabelece apenas a esterilização de mulheres, mas de homens e trata também de:

I. assistência à concepção e contracepção;

II. o atendimento pré-natal;

III. a assistência ao parto, ao puerpério e ao neonato;

IV. o controle das doenças sexualmente transmissíveis;

V. o controle e a prevenção dos cânceres cérvico-uterino, de mama, de próstata e de pênis. 



Para conseguir se submeter a esse procedimento é necessário que a mulher tenha 25 anos e dois filhos vivos”

Há um erro de interpretação ou leviandade aqui. A lei diz:

Art. 10. Somente é permitida a esterilização voluntária nas seguintes situações:

I - em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce;

II - risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos.


Não é que quem quiser se esterilizar vai ter que ter dois filhos contra a vontade até os 25 anos para ter direito à lei. Significa que está restrito a este grupo citado nos dois incisos (não necessariamente todas as condições juntas). Se a mulher ou homem não fazem parte deste grupo este artigo da lei não é válido para eles. Também é exigência da lei o desencorajamento da esterilização, pois é um caso de exceção e não deve nunca ser a regra, por ser antinatural, por isso o acompanhamento psicológico e o período de 60 dias entre a decisão e a cirurgia.

Para os que estão fora do grupo assistido pelo artigo 10 existe o artigo 9, lembrando que a cirurgia de esterilização, como todo processo cirúrgico, possui risco:

Art. 9º Para o exercício do direito ao planejamento familiar, serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção.

“No caso das mulheres, pasmem! É necessário que elas tenham uma autorização do marido!”

A Lei diz: Na vigência de sociedade conjugal, a esterilização depende do consentimento expresso de ambos os cônjuges.

Ou seja, para os casados tanto para fazer a vasectomia no homem, quanto a laqueadura na mulher, é necessário autorização do cônjuge pois o interesse é mútuo na concepção de filhos. Na prática, como existem muitos relacionamentos sem reconhecimento legal, portanto extraconjugal, tem-se pedido assinatura do parceiro/a indistintamente se casados legalmente ou não. Quanto a isso, alguém do ramo do direito pode explicar se é válido ou não. 



“Essas exigências são absurdas e violam direitos básicos previstos na nossa constituição: dignidade da pessoa humana, a liberdade, a igualdade e a escolha de poder fazer o seu próprio planejamento familiar”

“Ninguém pensa na quantidade de crianças indesejadas que são geradas perante a dificuldade de se conseguir um direito tão básico, ou pior a quantidade de abortos clandestinos resultantes da lei de planejamento familiar. Agora, você já pensou em quanto dinheiro público é desperdiçado para reparar esse prejuízo? a maternidade é uma coisa maravilhosa, mas ela nunca deveria ser obrigação de ninguém”

A própria lei 9.263 diz que o planejamento familiar é direito de todo cidadão, ou seja é válido igualmente para o homem e para a mulher.

A Constituição, por sua vez diz: Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

Talvez o raciocínio de Waka Waka consiga interpretar como “livre decisão do casal” o direito de escolher uma das opções que não foram destinadas ao grupo ao qual o dito casal, ou a mulher se enquadra. Ou seja, existem vários métodos contraceptivos normais indicados para eles e oferecidos pelo SUS pela mesma lei, e apenas um – a esterilização, para casais, homem ou mulher em risco de vida, saúde, acima de 25 anos ou com mais de dois filhos vivos. E acham que é uma violação à livre decisão deles que esta opção não esteja disponível para todos igualmente. É muito malabarismo retórico!

Não satisfeita, ela culpa a lei que não estende e esterilização para todos sem exceção pela quantidade de abortos clandestinos! Ou seja, se a pessoa engravida irresponsavelmente, a despeito de todos os outros métodos contraceptivos existentes, a culpa é do Estado que não deixou ela se esterilizar às custas do SUS (pagadores de impostos). E se ela engravidou, porque o mesmo Estado não a deixou abortar também pelo SUS, ela foi na boca de porco tirar o filho.

O erro do texto da Constituição talvez tenha sido citar apenas “paternidade responsável”, permitindo que as feministas excluam a maternidade responsável, visto que a maioria que reclama mal sabe quem é o pai do filho que geraram. Mas parece claro que paternidade responsável aqui significa responsabilidade dos pais (pai e mãe), num texto escrito num tempo em que a desigualdade semântica não era tão forçada. 


Sobre liberdade de decisão do casal, existe os itens relacionados no Art 9 com a observação do parágrafo único: "A prescrição a que se refere o caput só poderá ocorrer mediante avaliação e acompanhamento clínico e com informação sobre os seus riscos, vantagens, desvantagens e eficácia". Ou seja, toda liberdade tem limites, pois já que toda responsabilidade foi transferida para o Estado, este impôs que cada escolha passe por avaliação clínica. 

Este dispositivo na lei, que agora querem estender para geral, chegou a ser vetado pelo então presidente nos seguintes termos: a esterilização, condicionada apenas à vontade das pessoas, não deve ser praticada, porque se trata de clara mutilação, com perda de função, possível apenas quando haja precisa indicação médica, para eliminar dano maior a saúde do paciente ou quando for irreversível a afecção do órgão reprodutor” ou seja não deve ser praticado quando não há fundamento médico, “mas apenas conveniências pessoais, sociais ou econômicas."Também foi demonstrado outros argumentos muito válidos (texto do veto completo) mas depois os vetos foram derrubado pelo Congresso. Eu preferia que os vetos tivessem sido mantidos, mas já que não foram, que a lei ao menos permaneça como está.

Para mim a dificuldade de esterilização não fere a dignidade humana. O que fere a dignidade é alguém se comportar feito cão e cadela no cio, que precisam ser castrados para pararem de procriar sem limites como se não existisse nenhuma outra opção ou forma de se relacionar com racionalidade e afeição. Absurdo é uma garotinha destas, se dizendo conservadora, aparecer com este discurso genocida, sim porque na lei também diz:
Art. 12. É vedada a indução ou instigamento individual ou coletivo à prática da esterilização cirúrgica.

Art. 17. Induzir ou instigar dolosamente a prática de esterilização cirúrgica.

Pena - reclusão, de um a dois anos.

Parágrafo único - Se o crime for cometido contra a coletividade, caracteriza-se como genocídio. 

O que ela está fazendo senão instigar dolosamente a esterilização, ou seja, estimulando ou induzindo enganosamente, de forma ardilosa um grupo grande de pessoas a quererem se esterilizar? A quem interessa a redução populacional? 

Minha opinião pessoal sobre a escolha dela esterilização eu escrevi no post Controle de Natalidade.

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