quarta-feira, 27 de maio de 2020

Grades



Grades não protegem. Grades aprisionam.

Nunca gostei de grades. Quando ainda pequena colocaram janelas com grades em casa eu me senti muito mal. Um bicho de zoológico, um pássaro na gaiola, uma criminosa. Pensei que se um bandido entrasse pela porta da frente não daria nem para fugir pela janela. Eu não pensava que a grade impediria alguém de entrar, só que me impediria de sair! Um bandido determinado a entrar conseguiria, pensava. Com as armas certas ele poderia nos render, apesar das grades.

Esse sentimento de estar atrás das grades sem a posse das chaves me acompanhou por muito tempo. Até que me acomodei ao ambiente, e era como se as grades fizessem parte de mim. Qualquer um que tentasse arrancá-las me machucaria. Por muito tempo vivendo daquela forma qualquer tentativa, ainda que remota (e sempre eram remotas) de me tirar dali, ou mostrar motivos para sair me assustavam. Era o que eu mais queria, mas eu não podia alcançar.



O PASSARINHO

O passarinho engaiolado

Condor, não sabe mais voar,

Pia triste já domesticado,

Predador, tão longe do seu habitat;



Quem sabe do seu sofrimento?

Das canções desse prisioneiro,

Que vem falando de um amor

Que nem sonhou no mundo inteiro!



Que importa que teu canto fale

Das coisas que não conhecera,

Das joias que o destino embala,



Se o que lhe resta dessa vida

Não é nenhum rabo de sereia,

Nem estas conchas retorcidas!



Nos últimos tempos eu tinha perdido de vista essa perspectiva de estar atrás das grades; e olha que as grades continuam nas janelas! Até que eu ouvi uma expressão assustadora: “você precisa se entregar”. Era como se um bandido estivesse dizendo: “deixa eu entrar, se renda”. E eu já sabia que não dava para sair pela janela. Mas a porta ainda estava fechada. Será que ele – o bandido, está armado? Imaginei. “Abra”. Ao contrário do que imaginei, meu primeiro impulso não foi fugir. De repente, pode ser que valha a pena a dor de arrancar as grades. Além de mim, tem mais gente aprisionado por elas, se eu deixar alguém arrancá-las não serei a única a poder voar...

Dizem que passarinho de gaiola desaprende a voar. Será? Lá fora tem um bandido ou um caçador? Será que dá para negociar? Mas eu não quero negociar. Eu quero abrir a porta, ou arrancar as grades das janelas, vale até derrubar alguns tijolos da parede. Mas e se a pessoa à porta for má? Existe algo pior que estar preso aqui dentro? Há algoz pior que nossos medos? Do que eu tenho medo? Tenho medo de pensar nos próprios medos...

Ok. Eu me rendo, mas como se faz?



Texto baseado em fatos quase reais. 


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