Dívida eterna. Cinema e
livro são um pouco como água e óleo. Às vezes colocam uma farinha no meio para
unir as duas coisas, mas o resultado não é muito saudável...
Li A Menina que Roubava Livros há uns 2 anos (ver aqui) . Foi um momento
emocionante, o romance de Marcus Zusac é muito poético, mas não patético, pois
as personagens se veem às voltas com os impactos da Segunda Guerra Mundial em
plena Alemanha Nazista. Pelo cenário, dá para imaginar a tensão do romance. No
filme não foi assim.
Quando dissertei sobre as
tramas de livros que viram filmes (ver aqui) ainda não havia assistido a esse
filme, mas já sabia que o veria. Até então tinha assistido ao trailer, e achei
a fotografia muito adequada. Decidi conhecer outro ponto de vista sobre o
enredo de Zusac. Em termos gerais, ficou muito aquém do que poderia.
A morte, que narra toda a
história do livro, para quem não o leu talvez não a tenha associado como
narradora no filme. Liesel era a menina boazinha, Max o “almofadinhas” judeu,
Ilsa Hermann não teve o destaque que merecia. Rudy Steiner, Rosa e Hans
Hubermann foram às personagens mais fiéis ao livro, embora nem tanto. Mas são
pontos de vista.
Faltou a essência do
livro. O cheiro cruel da guerra. Liesel Meminger foi entregue à adoção pela
mãe, sendo que no caminho até a casa dos pais adotivos, seu irmão morre no
trem. Chega, e percebe que sua nova mãe é um ser bizarro, e seu pai um ser
maravilhoso. A descrição de Hans Hubermann feita pela morte no livro é singela:
”Para a maioria das pessoas, Hans Hubermann mal chegava
a ser visível. Uma pessoa não especial. Com certeza, tinha excelentes
habilidades como pintor. Sua habilidade musical era superior à média. Mas, de
algum modo, e tenho certeza de que você deve ter conhecido gente assim, ele
conseguia parecer uma simples parte do cenário, mesmo quando estava na frente
de uma fila. Vivia apenas por ali, sempre. Indigno de nota. Não era importante
nem particularmente valioso. O frustrante nessa aparência, como você pode imaginar,
era ela ser completamente enganosa, digamos. Decididamente, havia valor
nele“.
Liesel ganha um vizinho
amigo Rudy Steiner (Nico Liersch). Até aqui o filme foi fiel,
coerente com o enredo, mas o que o cinema pode reproduzir deve ser um bom
produto e não um bom filme, se é que me entendem. O ódio Nazista, os delírios
de Hitler, sóciopata, o som e a fúria da guerra, os detalhes poéticos, uma
mulher que alimentava com livros a inteligência de uma garota (Ilsa Hermann),
um pai educador fascinante, um judeu perseguido por ser um humano igual a
qualquer outro, mas que um não ariano, disse ser diferente e indigno de viver
com a raça ariana. Um judeu atlético que vai definhando num porão do amigo de
guerra de seu finado pai.
Não sei por que o filme
omitiu o fato de Max Vanderburg fazer exercícios e sonhar com a vingança sobre
o Führer. Não relatar que o livro que levara consigo era o famoso Mein Kampf (Minha Luta) onde Hitler divulgou suas teorias antissemitas, e
que esse livro era um escudo para que ninguém desconfiasse de sua origem
durante o percurso até a casa dos Hubermanns. Penso que Max foi um tanto
depreciado no filme, sua relevância foi esvaziada, e para dar um bom produto
foi resumido num flerte para Liesel, sendo que este papel era de Rudy. O que
sustenta essa minha tese sobre Max e Liesel foi o coro da plateia do cinema
quando eles se abraçaram no final: “Óóóóó!” Como quem diz: “que casal bonito”.
Acho que um judeu vingativo que escreve sobre o Führer, que demostrou uma
amizade sem malícia não daria um bom par, e não comoveria o público.
O livro também acaba
assim, mas ao ler não tive essa sensação boba projetada no telão do cinema.
Naquele abraço havia muito sofrimento a ser desabafado. Talvez tenha sido mesmo
a intenção tanto do livro quando do filme sugestionar o público, ao menos até a
parte onde é falado do casamento de Liesel, seus filhos e netos e Max, o amigo.
Mas me recuso a me ater ao “viveram felizes para sempre” dos enlatados
americanos.
Os Estados Unidos devem
ter seus motivos para não se aterem aos detalhes da Segunda Guerra. Devem ter
muitos esqueletos nos armários. Charles Chaplin e suas sátiras ao grande
ditador sofreu muita censura até ser reconhecido.
Outros fatos também foram
distorcidos. Quem escreveu nas páginas pintadas de branco do Mein Kampf foi Max
Vanderburg e não Liesel. O livro que ela recebera como presente dele possuía 13
páginas, intitulado de O Vigiador. Depois,
nas páginas restantes Max escreveu outro livro que Rosa Hubermann o entregaria
a Liesel depois da partida de Max da Rua Himmel. Chamava-se A Sacudidora de Palavras. O Livro que
flutuou no Rio Amper, não foi nenhum destes, foi um livro que Liesel havia
furtado da biblioteca do prefeito.
Ilsa Hermann foi quem deu
o livro em branco onde Liesel Meminger escreveria sua história, que ninguém
senão a morte leu, pois este fora jogado nos entulhos após a explosão da Rua
Himmel. E a morte achou por bem narrá-la. Mais uma distorção dos fatos em nome
do produto. O Marketing às vezes é nocivo, o próprio Hitler é um produto desse
tipo de Marketing, guardada as devidas proporções.
Enfim, não deve haver como
reproduzir um livro de modo a satisfazer leitores argutos. Para o público que
não leu, foi um filme “óóóó´”. Para os que leram e pensam o mesmo, respeito a
opinião. Mas prefiro o livro, irremediavelmente. Há muito mais coisas em comum
entre mim e Liesel Meminger do livro, do que a garotinha Liesel (linda por
sinal a pequena Sophie Nélisse) representada no filme.
OK guarde suas críticas para você mesmo
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