domingo, 9 de março de 2014

A Menina que Roubava Livros - O Filme







Dívida eterna. Cinema e livro são um pouco como água e óleo. Às vezes colocam uma farinha no meio para unir as duas coisas, mas o resultado não é muito saudável...

Li A Menina que Roubava Livros há uns 2 anos (ver aqui) . Foi um momento emocionante, o romance de Marcus Zusac é muito poético, mas não patético, pois as personagens se veem às voltas com os impactos da Segunda Guerra Mundial em plena Alemanha Nazista. Pelo cenário, dá para imaginar a tensão do romance. No filme não foi assim.

Quando dissertei sobre as tramas de livros que viram filmes (ver aqui) ainda não havia assistido a esse filme, mas já sabia que o veria. Até então tinha assistido ao trailer, e achei a fotografia muito adequada. Decidi conhecer outro ponto de vista sobre o enredo de Zusac. Em termos gerais, ficou muito aquém do que poderia.

A morte, que narra toda a história do livro, para quem não o leu talvez não a tenha associado como narradora no filme. Liesel era a menina boazinha, Max o “almofadinhas” judeu, Ilsa Hermann não teve o destaque que merecia. Rudy Steiner, Rosa e Hans Hubermann foram às personagens mais fiéis ao livro, embora nem tanto. Mas são pontos de vista.


Faltou a essência do livro. O cheiro cruel da guerra. Liesel Meminger foi entregue à adoção pela mãe, sendo que no caminho até a casa dos pais adotivos, seu irmão morre no trem. Chega, e percebe que sua nova mãe é um ser bizarro, e seu pai um ser maravilhoso. A descrição de Hans Hubermann feita pela morte no livro é singela:

”Para a maioria das pessoas, Hans Hubermann mal chegava a ser visível. Uma pessoa não especial. Com certeza, tinha excelentes habilidades como pintor. Sua habilidade musical era superior à média. Mas, de algum modo, e tenho certeza de que você deve ter conhecido gente assim, ele conseguia parecer uma simples parte do cenário, mesmo quando estava na frente de uma fila. Vivia apenas por ali, sempre. Indigno de nota. Não era importante nem particularmente valioso. O frustrante nessa aparência, como você pode imaginar, era ela ser completamente enganosa, digamos. Decididamente, havia valor nele“. 



Liesel ganha um vizinho amigo Rudy Steiner (Nico Liersch)Até aqui o filme foi fiel, coerente com o enredo, mas o que o cinema pode reproduzir deve ser um bom produto e não um bom filme, se é que me entendem. O ódio Nazista, os delírios de Hitler, sóciopata, o som e a fúria da guerra, os detalhes poéticos, uma mulher que alimentava com livros a inteligência de uma garota (Ilsa Hermann), um pai educador fascinante, um judeu perseguido por ser um humano igual a qualquer outro, mas que um não ariano, disse ser diferente e indigno de viver com a raça ariana. Um judeu atlético que vai definhando num porão do amigo de guerra de seu finado pai.





Não sei por que o filme omitiu o fato de Max Vanderburg fazer exercícios e sonhar com a vingança sobre o Führer. Não relatar que o livro que levara consigo era o famoso Mein Kampf (Minha Luta) onde  Hitler divulgou suas teorias antissemitas, e que esse livro era um escudo para que ninguém desconfiasse de sua origem durante o percurso até a casa dos Hubermanns. Penso que Max foi um tanto depreciado no filme, sua relevância foi esvaziada, e para dar um bom produto foi resumido num flerte para Liesel, sendo que este papel era de Rudy. O que sustenta essa minha tese sobre Max e Liesel foi o coro da plateia do cinema quando eles se abraçaram no final: “Óóóóó!” Como quem diz: “que casal bonito”. Acho que um judeu vingativo que escreve sobre o Führer, que demostrou uma amizade sem malícia não daria um bom par, e não comoveria o público.




O livro também acaba assim, mas ao ler não tive essa sensação boba projetada no telão do cinema. Naquele abraço havia muito sofrimento a ser desabafado. Talvez tenha sido mesmo a intenção tanto do livro quando do filme sugestionar o público, ao menos até a parte onde é falado do casamento de Liesel, seus filhos e netos e Max, o amigo. Mas me recuso a me ater ao “viveram felizes para sempre” dos enlatados americanos.

Os Estados Unidos devem ter seus motivos para não se aterem aos detalhes da Segunda Guerra. Devem ter muitos esqueletos nos armários. Charles Chaplin e suas sátiras ao grande ditador sofreu muita censura até ser reconhecido.

Outros fatos também foram distorcidos. Quem escreveu nas páginas pintadas de branco do Mein Kampf foi Max Vanderburg e não Liesel. O livro que ela recebera como presente dele possuía 13 páginas, intitulado de O Vigiador. Depois, nas páginas restantes Max escreveu outro livro que Rosa Hubermann o entregaria a Liesel depois da partida de Max da Rua Himmel. Chamava-se A Sacudidora de Palavras. O Livro que flutuou no Rio Amper, não foi nenhum destes, foi um livro que Liesel havia furtado da biblioteca do prefeito.




Ilsa Hermann foi quem deu o livro em branco onde Liesel Meminger escreveria sua história, que ninguém senão a morte leu, pois este fora jogado nos entulhos após a explosão da Rua Himmel. E a morte achou por bem narrá-la. Mais uma distorção dos fatos em nome do produto. O Marketing às vezes é nocivo, o próprio Hitler é um produto desse tipo de Marketing, guardada as devidas proporções.

Enfim, não deve haver como reproduzir um livro de modo a satisfazer leitores argutos. Para o público que não leu, foi um filme “óóóó´”. Para os que leram e pensam o mesmo, respeito a opinião. Mas prefiro o livro, irremediavelmente. Há muito mais coisas em comum entre mim e Liesel Meminger do livro, do que a garotinha Liesel (linda por sinal a pequena Sophie Nélisse) representada no filme.





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