sábado, 22 de agosto de 2020

Saia da Bolha Antes de Que Seja Tarde


Você já reparou o quanto nossa realidade é limitada?

O quanto enxergamos as coisas do ponto de vista das nossas próprias experiências e do meio em que vivemos?

Já se perguntou o quanto tudo isso molda nossas escolhas e nossa vida?

Uma História para Ilustrar

Assisti uma vez, o filme Never Let Me Go, do diretor Mark Romanek, baseado no romance de Kazuo Ishiguro. A história tem três personagens centrais: Kathy, Tommy e Ruth. Começa citando uma experiência médica que teria estendido a vida de pessoas em 100 anos. Em seguida mostra um local onde vive um grupo de crianças, parecido com um orfanato, tutelado por pessoas de ética duvidosa, isolados do convívio com a sociedade que não é mostrada no filme.

A Revelação

Num dia, Lucy, uma professora, revela às crianças que elas eram clones destinadas a doação de órgãos. Quando chegassem à sua última doação possível, sem que pudessem manter-se vivas elas completariam sua “missão”. A professora sai de cena logo depois, demitida por ter revelado um segredo às crianças.

Com a descoberta, Kathy, Tommy e Ruth, três amigos, se aproximam ainda mais na ânsia de tentar adiar seus trágicos destinos.

Nesse intervalo, uma cena muito intensa e melancólica ocorre:

Crianças eufóricas com a chegada de um caminhão ao local onde estavam. Era um momento recorrente para elas. Para o espectador era a primeira vez que a cena aparecia.

O que o caminhão trazia?

O veículo estaciona e descarrega vários brinquedos e objetos velhos e quebrados. As crianças, sem nenhuma referência da realidade, fascinadas, se atiram sobre os objetos, curiosas e felizes capturam coisas para si. Kathy toma para si um tocador de fitas, que tocava a música tema Never Let me Go.

Tommy era um artista, e por um tempo pensou que sua arte servisse para adiar o seu desastre, uma vez que não tinha sido chamado para nenhuma doação. Kathy o amava, mas Ruth, insegura e manipuladora, seduziu o amigo Tommy, que a escolheu ao invés de Kathy. E assim os amigos se afastaram. E a trama sofre uma mudança cronológica.

Conformadas com Seu Destino

O ponto trágico do enredo é que apesar da revelação da professora Lucy, a maior parte das crianças não se espanta com seu destino. Elas se sujeitam, e até acham sublime ter a missão de se doar a pessoas, que nem aparecem na trama.

A introdução já tinha citado um experimento para aumentar a sobrevida de pessoas, mas quais? Que grupo de pessoas eram beneficiadas em prejuízo de outras?

O filme também fala de clonagem de humanos, que por sua vez eram tratados de forma desumana. Nada disso é posto em xeque, pois a proposta do filme é justamente mostrar o poder do condicionamento humano, quando isolados de outras realidades.

Apenas três crianças conseguem superar o efeito manada e furam bolha...

A importância de furar a bolha antes de tomar decisões

Será que a paixão pelo lado B em oposição ao A tem lógica, ou estamos apenas sendo guiados por interesses desconhecidos, sem nem perceber? 

Será que fomos doutrinados desde criança a crermos em certas ideias, costumes, opiniões? 

Será que o presente é melhor que o passado em todos os sentidos, só porque é novo? 

Será que o novo é tão novo assim, ou existem livros de séculos passados prevendo tantas ocorrências de hoje, com precisão quase cirúrgica?

Se fontes antagônicas dizem versões diferentes de um mesmo assunto, como validar qual delas está falando a verdade?

Estamos nos permitindo olhar ao redor para ver o que dizem aqueles que discordam, ou estamos bebendo sempre da mesma fonte?

Qual o risco de cairmos na armadilha dos clones de Hailsham, (local onde se passa o filme) doando de forma simbólica nossos órgãos (coração, olhos, estômago, fígado) por uma causa que não é nossa, só porque fomos condicionados assim?

Saindo da Bolha

Felizmente, não precisamos ser cordeirinhos destinados ao matadouro. Ou pelo menos não precisamos ir para o abate, sem conhecer o que nos levou até ali.

Hoje temos
 informações a todo tempo na internet. Poucos estão off line numa realidade paralela como Kathy, Tommy e Ruth. O encontro com outras pessoas de fora da nossa bolha está fácil, basta que nossa mente comece a questionar ideias, e que o algoritmo perceba isso.

Claro, que se navegar por temas que alguma organização global não gostar muito, o algoritmo vai te distrair o quanto puder...

Também é uma opção desligar a TV ou o rádio onde se lê as manchetes como se fossem notícias. Manchete não é notícia. Experimente conectar o conteúdo de um texto a sua manchete e vai descobrir o encantado mundo do click bait, o formador de opinião moderno. Chama atenção pelo título, porque quantidade de views é audiência. Quando percebemos que o texto não diz nada que a manchete prometia, a visualização já foi monetizada para o site em questão. Eles não estão preocupados. Quem tem que se preocupar somos nós!

O Caminho do Meio

Na dúvida entre dois pólos extremos, siga o caminho do meio.

O que não significa isentar. Não seja um isentão, que é aquela pessoa que tem um lado, mas não tem coragem de admitir e fica vagando como assombração pelo outro lado, sem de fato acreditar na causa.

Você pode ter um lado, só não precisa ser inocente ao ponto de achar que todos que se colocam daquele lado estão sempre certos, são fontes fiéis, ou não podem nunca errar sem serem canceladas. E não acredite que tudo que está do lado de lá daqueles valores que mais preza, é por natureza ruim ou indigno de nota. Ambos têm seu valor sob algum aspecto.

Se privar daquelas fontes de costume, nem que seja por pouco tempo, e observar o ambiente com os olhos mais atentos, perguntador como uma criança, é uma excelente forma de furar a bolha.

Aos poucos percebemos com esse hábito, que estávamos apaixonados por ideias que não eram nossas. Defendendo causas que não nos dizem respeito. Compartilhando hashtags que não mudam em nada a vida de ninguém, mas nos faz parecer mais aceitáveis por aderir um tema comum e popular.

Mas o que vale mais é estarmos conscientes das nossas escolhas. Aderir só o que causa impacto direto na nossa vida, ou na vida de pessoas próximas pelas quais zelamos. Mais que isso, exige um campo de visão muito mais alto para entender o que sustenta aquela causa. Sem saber disso não vale a pena.

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