segunda-feira, 19 de abril de 2010

Às voltas com a Língua Portuguesa


'As jibóias engolem, sem mastigar, a presa inteira. em seguida, não podem mover-se e dormem os seis meses da digestão.' Refleti muito então sobre as aventuras da selva, e fiz meu primeiro desenho. Meu desenho número 1 foi assim:
 



Mostrei minha obra-prima às pessoas grandes e perguntei se o meu desenho lhes fazia medo.Responderam-me: "Por que é que um chapéu faria medo?" 

Meu desenho não representava um chapéu. Mas uma jibóia digerindo um elefante. Desenhei então o interior da jibóia, a fim de que as pessoas grandes pudessem compreender. (...) 

Meu desenho número 2 foi assim:



As pessoas grandes aconselharam-me a deixar de lado os desenhos de jibóias abertas ou fechadas,e dedicar-me à geografia, à história, à gramática. Foi assim que abandonei, aos seis anos, uma esplêndida carreira de pintor. Eu fora desencorajado pelo insucesso do meu desenho número 1 e do meu desenho número 2."

"O Pequeno Príncipe" Antoine de Saint Exupéry


Corrí um risco semelhante com a minha primeira poesia:


Quando fores dormir
Sonharás comigo
E neste sonho mostrarei
Que não há nenhum perigo


Que por mais perigoso que seja
Me amar é tudo que você deseja


Quando acordares
Seu primeiro pensamento será eu
Pensará também que
Todo seu medo se perdeu


Se perdeu por nossas entranhas
E não sobreviveu a nossa façanhas


Quando saíres então
Para me encontra
Me acharás no campo do amor
Prontinha para te amar


E assim sempre estarei
Em todos os momentos de sua vida
E para sempre serei sua doce querida



Quando terminei este conjunto de palavras rimadas, senti-me a mais nova revelação da literatura poética brasileira, uma verdadeira descendente de Cecília Meirelles! (Minha avó se chamava Cecília, mas não a Meirelles...) Era em tese minha primeira poesia, após outras tentativas.


Me lembro bem, estava com 14 anos de idade, quando confiante, fui mostrar minha obra para minha professora de língua portuguesa:


- Huum... - Ela leu rapidamente. - Muito Boa!


Lembro também que ela fez uma objeção referente ao diminutivo "prontinha" da penúltima estrofe. Eu exultei de felicidade, afinal "o único defeito da minha poesia era um diminutivo mal empregado!"

Ledo engano! Anos mais tarde pude pilhar a professora em seu ardil. Quando passei a cultivar a autocrítica, ou quando pela prática, aprendi a escrever versos melhores, (embora sempre possa melhorar!) pude perceber que de "muito boa", minha singela poesia não tinha nada!

Tinha sim, sérios problemas de concordância pronominal, ausência total de métrica e outras carências de estilo. Mas eu era uma adolescente! A minha ignorância sobre certas coisas era totalmente compreensível, já a professora...

Pergunto-me até onde ela agiu pedagogicamente correto? Até onde tinha consciência de seus atos? Se me conheço bem, uma crítica certamente me desencorajaria a escrever o que quer que fosse. Até minha assinatura eu hesitaria antes de fazê-la! Assim como o narrador de "O Pequeno Príncipe" fora desencorajado de sua carreira de pintor, pelas críticas e incompreensão dos adultos, comigo não seria diferente!

A princípio, parece que eu deveria dar meus parabéns à professora; no entanto, não tenho total garantia de sua honestidade. Eu a considerava a melhor em gramática, e minha poesia era um pretexto e tanto pra ela me apresentar uma série de regras da Língua Portuguesa (Ó Codigo Secreto!). E não foi o que aconteceu. Só porque não estava no currículo, ou porque o tema não havia sido discutido no conselho de classes, eu não merecia uma atenção extra, tendo solicitado? Afinal, professores servem para ensinar, ou não?

Muito do que eu sei, aprendi por meus próprios esforços, e recentemente aprendi mais algumas regras "sugeridas" por um conhecido formado em Letras, que gentilmente me perguntou se eu conhecia o recurso da licença poética... Ou seja, se não era licença poética, era ignorância mesmo!

Foi-me dito mais que isto. Recebi sutilmente instruções de pesquisa que sequer soou como correção ou crítica, mas como uma menina aplicada que sou, pesquisei e me flagrei em pequenos erros, que até então nenhum mestre havia tido a dignidade de me alertar.

Não fosse por este episódio, eu hoje não desconfiaria das boas intenções da professora. Ela quis me poupar de críticas ou apenas se livrar de mim?


Post scriptum:
"L'Enfer est plein de bonnes volonte" / O inferno está cheio de boas intenções.
 São Bernardo 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe seu comentário