terça-feira, 2 de junho de 2020

Vidas Importam

Photo by Matheus Viana
Eu era uma criança, estava no meu segundo ano letivo aos 8 anos de idade. Por algum motivo que na época era desconhecido eu não sabia lidar com pessoas negras. Eu as estranhava. Eu resistia aos seus acenos. Eu era fechada. Eu era tímida com todas as pessoas, mas tinha algo de errado e grave quando eu estava em contato com crianças negras.

Até que um dia um jovem, um pouco mais velho, talvez recuperando anos perdido sem estudo, por qualquer razão, consciente ou não, determinou quebrar minha resistência. Todos os dias ou sempre que me encontrava ele me cumprimentava com extrema cordialidade e simpatia. No início eu respondia curta e grossa. Depois fui percebendo o quão descortês era minha reação, até que passei a simpatizar com ele. Do nada, sem nenhuma brecha que eu possa ter dado, ele veio e me tratou com um respeito que eu nunca tinha recebido de ninguém. Por "coincidências" da vida, ele hoje é meu vizinho de rua e anos depois continua me tratando com a mesma graciosidade.

Daquele dia em diante eu nunca mais vi coerência em quem enxerga o mundo colorido, ou as pessoas pela cor da pele. É engraçado, pois ali na infância mesmo eu tinha um exemplo muito bom do quanto essa abordagem é falha. No post título Black Or White, falei da minha relação com Michael Jackson e como passei ilesa sem nenhum problema pela sua transição de cor da pele, sem nunca deixar de amá-lo ou de ver em seus olhos o que mais importava: sua bondade. O episódio da escola trouxe o contexto que vivi com Michael para minha vida social.

Apesar de popular a expressão “Vidas Negras Importam” não me diz nada. Eu não vejo brancos matando negros, nem negros matando brancos. Cores não matam. Assim como armas não matam. Homens matam homens injustamente. Talvez quem brigue achando que a pele negra vale mais, ou quem pensa que a branca é que vale, é porque não tiveram um encontro mágico e sem nenhuma pretensão com outro ser humano. Mas sempre dá para correr atrás do prejuízo. Só acho que hashtags e fotos no Instagram não são suficientes, precisamos sentir a alma do outro.

À distância parece difícil, mas descobri que dá para fazer muita coisa e transbordar o que temos de melhor por aqui, mesmo sem hashtags! Vidas importam! Você está fazendo caso da sua própria vida, independentemente da sua cor de pele? já pensou em vencer um racista pelo cansaço como eu fui vencida na infância? Acho que ninguém nasce com esse tipo de comportamento. E certamente não é o ódio, ofensas ou frases de efeito que vão mudar o curso das coisas. Já parou para pensar que nesse exato momento tem alguém que se importa com sua vida simplesmente pelo que você representa em sua essência?

NEGRO

Ouvi teu coração em batucadas,

E tu cantando-me: – Oh, adorada!

E eu menina, ao teu canto sorria,

Despedindo-lhe de mãos atadas...

Tu, menino como eu, me esperava,

Esperanças que só a juventude

Traz ardente, sadia e descansada,

Mas que a vida lhe avilta amiúde,

Pelas pedras soltas das estradas,

O sentido comum da virtude.



Vi tua pele bem próxima a minha,

Negra. Quem te pintou assim tão esplendido?

Colorido que muitos nem viam,

E eu menina, fugia d’ teu fascínio;

Acuada por vãos pensamentos,

Arrastada por eles ao abismo,

Desci ao fundo e voltei com o vento!

Com perdão d’ave uma vez renascida,

Encontrei tempo de tê-lo amigo,

E seguir a teu lado outra vida.



Aprecia novos olhos Luzia!

Que teu brilho que é virgem tem graça,

Que a negrura da tez alumia

Teu sorriso, alegrias esparsas.

O passado eu enterrei a luz da alvura,

Nina impura corri a sepultar!

E o destino me lavou das culpas,

Negro livre, liberdade minha!

Em meu peito urdi te hospedar

No caminho sombrio d’onde eu vinha.


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